Caros Colegas, Neste domingo à tarde proponho este artigo escrito por José Leon Machado, professor, escritor e jornalista Bracarense, vivendo actualmente em Trás-os-Montes, Chaves. No Diário do Minho e no Correio do Minho criou suplementos e fez crónicas e crítica literária (ver o link para mais informação sobre o autor), cuja obras/escritos me tem chamado à atenção, especialmente o seu livro “O Guerreiro Decapitado”, o qual recomendo. Um resto de dia feliz ... See more Caros Colegas, Neste domingo à tarde proponho este artigo escrito por José Leon Machado, professor, escritor e jornalista Bracarense, vivendo actualmente em Trás-os-Montes, Chaves. No Diário do Minho e no Correio do Minho criou suplementos e fez crónicas e crítica literária (ver o link para mais informação sobre o autor), cuja obras/escritos me tem chamado à atenção, especialmente o seu livro “O Guerreiro Decapitado”, o qual recomendo. Um resto de dia feliz MLD "A influência da cultura brasileira em Portugal é um mito construído nas últimas duas décadas e meia, mais precisamente no momento em que a televisão portuguesa começou a transmitir os sucessivos episódios das novelas da TV Globo. O assunto despertou acesos debates entre pensadores, sociólogos, escritores e linguistas. Chegou-se a pensar que a cultura e a língua portuguesas seriam totalmente submergidas pelo dilúvio diário de novelas com a fonética adocicada do português sul-americano. Temiam os ilustres portugueses que os dez milhões de habitantes do rectângulo lusitano passassem, de uma hora para a outra, não só a distorcer a fonética dos seus antepassados, mas também a utilizar expressões alienígenas, como «estou de cuca cheia», «isto é uma droga», «bater um papo», etc. Mais de vinte e cinco anos depois de as primeiras novelas terem sido transmitidas, a influência que se nota é muito ténue, para não dizer nula. Os portugueses não distorceram a fonética e as expressões que entraram no português continental não são assim tantas que nos demos conta delas a ponto de dizermos que a nossa identidade cultural está em perigo. O que sucedeu então para se lograrem as expectativas mais pessimistas dos nossos intelectuais? Em primeiro lugar, é forçoso dizermos que o povo português é avesso a mudanças. As mudanças linguísticas são um exemplo disso. A fonética do português continental, rígida e hierática, não se compadece com vogais e consoantes que não pertencem ao seu sistema linguístico com mais de oito séculos. Os portugueses gostam de ouvir os brasileiros a falar, mas só muito grosseiramente conseguem imitá-los. A não se que vão viver para o Brasil e com o tempo se adaptem. No que diz respeito às novas expressões utilizadas, estas têm a ver com a moda e vão e vêm conforme o momento. Podemos dizer que nos anos oitenta em Portugal andavam na boca de toda a gente as expressões acima transcritas. Hoje em dia será muito difícil ouvi-las senão na boca de uma ou outra pessoa de origem mais humilde. E a razão é simples: são essas poucas que continuam diariamente a assistir à novela brasileira transmitida por um dos quatro canais da televisão portuguesa. E entramos na segunda razão que explica o logro das expectativas dos nossos intelectuais: os canais das televisões portuguesas deixaram de transmitir, à excepção de um, novelas brasileiras, passando a apostar em produções nacionais, com actores portugueses e temas portugueses. E são estas novelas que têm o maior número de audiências. Neste momento, as novelas brasileiras são praticamente residuais. O desinteresse dos portugueses pelas produções brasileiras é explicável por um lado pela contínua repetição de actores de novela para novela e por outro pelo cansaço dos temas abordados. Diz muito pouco ao público português uma novela sobre imigrantes italianos, por exemplo. Aliás não se compreende a ideia fixa dos produtores brasileiros em teimar na imigração italiana, quando a imigração portuguesa (que foi afinal a que construiu o Brasil) teve e tem um papel bem mais importante. Além disso, não é crível que em Itália se interessem muito por novelas brasileiras. É evidente que a influência da cultura brasileira em Portugal, se ela existe ou existiu, não se pode nem se deve imputar exclusivamente às novelas televisivas, dependentes de audiências e de estratégias comerciais, que quase sempre se sobrepõem à qualidade. Reconhecemos que há um público instruído que conhece e aprecia a música e a literatura brasileiras. A influência dessa literatura e dessa música é que não é facilmente mensurável. No caso da literatura, é do conhecimento público a influência de escritores como J. Guimarães Rosa e Jorge Amado na escrita de muitos dos autores portugueses que escreveram entre os anos sessenta e os anos oitenta do século XX. No entanto, embora se leiam e se tenham em muito boa conta os autores brasileiros, é difícil actualmente ver-se nos novos escritores, excepto talvez em casos muito pontuais, qualquer influência brasileira. E a razão disso tem talvez a ver com a mudança de paradigma: actualmente, os autores sentem uma maior atracção pela literatura anglo-saxónica e hispânica, fenómeno a que o Brasil também não será alheio. Infelizmente ou não, é difícil falar-se na actualidade de uma influência significativa da cultura brasileira em Portugal, malgrado a opinião dos que, por bairrismo de um lado ou por receios infundados do outro, acreditam piamente que sim." José Leon Machado http://www.trasosmontes.com/eitofora/numero19/reportagem.html ▲ Collapse | |