A propósito de algumas perguntas que foram ontem feitas aqui no ProZ, quero aproveitar a oportunidade para partilhar convosco um texto muito interessante escrito em português de Angola. De realçar que até possui um certa qualidade. O referido texto apareceu recentemente numa revista publicada em Angola. Aqui vai: Mão amiga fez-me chegar este delicioso texto, que eu desconheço o autor, sobre os novos funerais em Luanda. Eis o retrato social da terra o... See more A propósito de algumas perguntas que foram ontem feitas aqui no ProZ, quero aproveitar a oportunidade para partilhar convosco um texto muito interessante escrito em português de Angola. De realçar que até possui um certa qualidade. O referido texto apareceu recentemente numa revista publicada em Angola. Aqui vai: Mão amiga fez-me chegar este delicioso texto, que eu desconheço o autor, sobre os novos funerais em Luanda. Eis o retrato social da terra onde o impossível é sempre possível. Sirvam-se, por favor: «Em Luanda agora é assim: as pessoas produzem-se para ir a um funeral, como se fosse uma festa de gala. Se antes o branco e o preto eram as cores para os actos fúnebres, agora, as damas bazam até de vermelho, rosa, amarelo, laranja, quer dizer, só as cores mais "cheguei!" para chamar mesmo a atenção. Na verdade, os óbitos transformaram-se em locais predilectos para desenvolver uma paquera, na ausência de locais públicos de lazer que proporcionem encontros. Afinal, quem não tem cão, nem gato, caça com rato. Há quem diga que as damas vão para ver os boss's da família, ficam de olho bem aberto para marcar qual é o tio que dá mais cumbú. Depois jogam todo o seu charme para cima do kota não importando se casado, solteiro ou viúvo. Já os homens parecem ser mais discretos: bazam a estes encontros para beber de graça, consentir uma paquera e, claro, pitar um coxe, afinal, de graça, bar aberto, boca-livre, não faz mal a ninguém. Os óbitos há muito que deixaram de ser cerimónias nostálgicas em que os parentes e amigos se encontram para consolar quem perdeu um ente. As mulalas das kotas deram lugar ao desfile de moda e posses. A expressão "ché quez da caldo" já ficou ultrapassada. A canjica e o caldo foram superados pelos mufetes, muambas, bolos, doces diversos, rissóis, tortas e pudins à maneira. Da kissangua, coitada, já nem se fala mais, nem nos círculos mais conservadores das famílias. De vez em quando, aparece nas praças e paragens de cadongueiro, mas com novo nome para disfarçar: "Sumol em saco" Nada de coisa de pobres (kissangua). Nos óbitos, a onda agora é cuca, sagres, castle, carlsberg, coca-cola e associadas, sumol e até a forasteira kiss, porque as youk's sumiram do mapa. O óbito na cidade de Kianda é festa grande. Já há quem prefira patar nos kombas do que ir nos casamentos. Nos óbitos não olham nas caras nem querem saber se é parente do morto ou da morta para te servirem. Só falta mesmo contratar DJ's para animar o bo... digo o óbito, com músicas da igreja, já que os kuduristas fazem questão de cantar daquele jeito. Morrer na Nguimbe não é negócio para qualquer um. E não pára por aqui. O que dá mais pontos é o lugar onde será o enterro. Tem que ser no ALTO DAS CRUZES ou no SANTA ANA porque o resto é mesmo resto. O óbito pode ter tudo, mas se o funeral não for nestes lugares perde todos os pontos. Diante disso, começa um novo dilema já que conseguir espaço nestes cemitérios não é coisa fácil e carece de cunha forte, mas também, 14 ou camama não são cemitérios para vip's, tipo não vão ser comidos por salalés. Então o defunto chegam mesmo a ficar uma semana, ou mais, à espera que se decida sobre o seu próximo endereço.» ▲ Collapse | |