This site uses cookies.
Some of these cookies are essential to the operation of the site,
while others help to improve your experience by providing insights into how the site is being used.
For more information, please see the ProZ.com privacy policy.
This person has a SecurePRO™ card. Because this person is not a ProZ.com Plus subscriber, to view his or her SecurePRO™ card you must be a ProZ.com Business member or Plus subscriber.
Affiliations
This person is not affiliated with any business or Blue Board record at ProZ.com.
Portuguese to Italian: Texto publicado no jornal "O Globo", de 12/08/2001, onde João Ubaldo escreve aos domingos.
Source text - Portuguese Em 60 anos de vida, fiquei órfão três vezes.A primeira foi quando Glauber Rocha, nem dois anos mais velho do que eu, morreu e me deixou desarvorado em Portugal, onde convivêramos em seus últimos dias. A segunda foi quando meu pai, Manoel Ribeiro, morreu e perdi de vez o tapinha nas costas dado por ele, nas raras ocasiões em que sua severidade lhe permitia agradar-se de algo que eu tinha feito.
A terceira vez foi na noite de segunda-feira passada, quando morreu Jorge Amado e estou aqui, desnorteado novamente, agora que nunca mais vou poder ouvir seu bom humor, às vezes brincalhonamente irônico, manifestar-se nas muitas lições que me deu, na paciência e generosidade que sempre foram marca de seu temperamento.
Com quem vou conversar agora, na mais desarmada confiança que se pode ter, a quem mais vou contar minhas dúvidas e hesitações, de quem mais vou ouvir macetes e percalços desta vida de contador de histórias, quem mais me olhará — como olhava para todos nós,
Caricatura de autoria de
Artur de Carvalho
os jovens de quem, sem o menor paternalismo, mas como uma espécie de irmão mais velho, se tornou amigo e infatigável incentivador — com o orgulho ancho e benevolente de um técnico de futebol, diante da equipe que conseguiu formar? Para quem vou telefonar e pedir juízo, conselhos e sensatez? Por que se vão todas as minhas referências, me deixando cada vez mais só neste mundo, onde tudo indica que ficarei mais um tempo?
Talvez pareça presunçoso eu querer falar no universo que foi e é Jorge Amado através de meu ponto de vista. Mas para falar na persona literária, política e social dele, haverá quem fale melhor do que eu. De especial no que tenho a dizer existe somente a amizade e o amor fraterno que nos uniu durante uns 40 anos e é disso que posso falar. Posso testemunhar sobre a grandeza e a generosidade de seu gênio. Pois o chamo de gênio, no sentido que esta palavra tinha antigamente, antes de enfraquecer-se pelo uso descomedido.
Quem mais, senão um gênio, teria criado toda uma nação, teria dado forma, expressão e identidade a uma terra e uma cultura como a Bahia, assim legando aos baianos e aos brasileiros em geral, pois a Bahia pertence a todos os brasileiros, um patrimônio inestimável? A Bahia não pode ser compreendida — e, por via de conseqüência, o Brasil não pode ser inteiramente compreendido — sem Jorge Amado e Dorival Caymmi, esse outro gênio de quem só podemos também ter orgulho. Dois fortíssimos pilares da cultura nacional residem na obra deles e, agora que eles já abriram caminho, tudo parece fácil e até óbvio. É como na história de um ignorante que foi assistir a uma apresentação de “Hamlet” e depois comentou, decepcionado, que não passava de um apanhado de lugares-comuns: ser ou não ser, eis a questão; o resto é silêncio; há algo de podre no Reino da Dinamarca; há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe sua filosofia; e assim por diante. A Bahia desabrochou sob as mãos de artesãos amorosos e de insuperável sensibilidade, como Jorge e Caymmi. Pela primeira vez os negros, os pobres, os humildes, os marginalizados foram trazidos maciçamente, através de uma singularíssima empatia e uma riqueza narrativa incomparável, para o proscênio das nossas artes — e nunca mais a cultura nacional foi a mesma.
Nós aprendemos a nos menosprezar e vivemos treinando isso o tempo todo. Há quem não veja, quem não consiga quase glandularmente não ver, que Jorge Amado não foi um dos mais importantes escritores do Brasil, mas um dos maiores autores do século, sob todos os títulos, a começar pelo fato de que, para o mundo culto e, de certa forma, para o grande público de muitos países, praticamente encarnava o Brasil e bem poucos escritores podem aspirar a esse tipo de galardão. Ele, com altivez e dignidade, nos representava, era como um símbolo da afirmação nacional, era o nosso escritor.
Mas isso tudo é e será visto, pois o patrimônio que Jorge nos deixou é perene e indelével, entrou na nossa alma, e a perspectiva histórica ainda lhe dará o relevo que efetivamente merece e que alguns ainda lhe negam, estreitando e tentando apequenar a estatura indestrutível de sua obra e sua vida, cujos ideais o levaram a quatro prisões, ao exílio e à incompreensão. Sempre disse que seu personagem era o povo e por isso, com mal-disfarçado desdém, há quem o chame de populista. Mas vá lá que fosse, ele mesmo não dava nenhuma pelota para isso, até gostava. Eu estava na Bahia para sua despedida e vi o povo nas ruas, aplaudindo seu escritor com emoção. Muitos entre eles nem lêem, mas todos sabem que perderam algo de muito importante, que felizmente viverá sempre na obra que aí está.
Acabei me alongando mais do que queria, em seara que outros explorarão muito melhor do que eu. Queria mesmo falar sobre aquilo em que tenho autoridade: nossa amizade. Cacá Diegues disse à imprensa que nós todos somos produto do que ele inventou, queremos ser o projeto que sua obra representa para o Brasil. No avião em que voltávamos da Bahia, Caetano Veloso me disse a mesma coisa. Heródoto escreveu que o Egito é um dom do Nilo e nós somos um dom de Jorge. De minha parte, eu sei bem. Foi ele quem primeiro acreditou em mim, desde os meus 17 anos, foi ele que, me vendo registrar-me num hotel, olhou o item onde eu declarava timidamente que minha profissão era jornalista, pegou a ficha, rasgou-a e disse:
— Jornalista é muito bom, mas não é o que você é. Bote aí “escritor”, você é escritor.
Foi ele que me acompanhou durante todo esse tempo, enchendo minha bola onde quer que chegasse ou a que veículo de imprensa falasse. Foi ele quem me chamou a atenção, sempre carinhosamente, para meus erros, minhas decisões mal pensadas, até para meu descuido com a saúde. A sabedoria e o bem-querer com que sempre me orientou não me deixarão nunca, sou um privilegiado maiúsculo, com essa convivência acima de tudo enriquecedora e enobrecedora. Não posso avaliar tudo o que devo a Jorge, direta e indiretamente. Só sei que tenho saudades dele e das muitas horas que passamos juntos e sei que vou atravessar o resto da vida com estas saudades.
Translation - Italian In 60 anni di vita, sono rimasto orfano tre volte. La prima è stata quando Glauber Rocha, appena due anni più vecchio di me, morì e mi piantò in asso in Portogallo, dove avevamo passato insieme gli ultimi giorni della sua vita. La seconda è stata quando morì mio padre, Manoel Ribeiro, ed io smisi definitivamente di prendermi quel ceffone alla nuca che mi dava nelle rare occasioni in cui la sua severità gli permetteva di compiacersi di qualcosa che avevo fatto.
La terza volta è stata la notte di lunedì scorso quando è morto Jorge Amado, e mi ritrovo di nuovo piantato in asso, adesso che non potrò mai più udire il suo buonumore, a volte scherzosamente ironico, manifestarsi nelle molteplici lezioni che mi ha insegnato, nella pazienza e nella generosità che hanno sempre caratterizzato il suo temperamento.
Con chi parlerò adesso con la più disarmata fiducia che si possa avere, a chi altri racconterò i miei dubbi e le mie esitazioni, da chi altri ascolterò i trucchi e le incertezze di una vita da narratore di storie, chi mi guarderà ancora – come guardava tutti noi, i giovani dei quali, senza il benché minimo paternalismo, ma come una specie di fratello maggiore, divenne amico e instancabile sostenitore – con quell’orgoglio fiero e benevolo di un allenatore di calcio davanti alla squadra che ha appena schierato? A chi telefonerò per chiedere consigli, giudizio e buonsenso? Perché se ne vanno tutti i miei punti di riferimento, lasciandomi sempre più solo in questo mondo dove tutto sembra indicare che resterò più a lungo?
Forse può sembrare presuntuoso che io voglia parlare dell’universo che è stato ed è Jorge Amado attraverso il mio punto di vista. Ma per parlare di lui come uomo di lettere, del suo ruolo politico e sociale, c’è chi lo farà meglio di me. Di speciale in quello che voglio dire c’è l’amicizia e l’amore fraterno che ci ha legati per quarant’anni, ed è di questo che posso parlare. Posso testimoniare la grandezza e la generosità del suo genio. Perché lo chiamo genio nel senso che questa parola aveva anticamente, prima di venire indebolita da un uso eccessivo.
Chi altri, se non un genio, avrebbe creato tutta una nazione, avrebbe dato forma, espressione e identità a una terra e a una cultura come quella di Bahia, lasciando così ai baiani ma anche ai brasiliani in generale, perché Bahia appartiene a tutti i brasiliani, un patrimonio inestimabile?
Bahia non può essere compresa - e, di conseguenza il Brasile non può essere completamente compreso – senza Jorge Amado e Dorival Caymmi, quest’altro genio del quale possiamo solo essere orgogliosi.
Le loro opere rappresentano due pilastri importantissimi della cultura nazionale e, ora che hanno aperto la strada, tutto sembra facile e persino ovvio. È come la storia di quell’ignorante che andò ad assistere alla rappresentazione dell’Amleto e poi, deluso, commentò che era solo un concentrato di luoghi comuni: essere o non essere, questo è il problema; il resto è silenzio; c’è qualcosa di marcio nel regno di Danimarca; Ci son più cose in cielo e in terra, Orazio,
che non sogni la tua filosofia; e così via. Bahia è sbocciata grazie alla mano di artigiani appassionati e di insuperabile sensibilità, come Jorge e Caymmi. Per la prima volta i negri, i poveri, gli umili, i marginali sono stati portati in massa, grazie ad una singolarissima empatia e ad una ricchezza narrativa incomparabile, sul proscenio delle nostre arti - e la nostra cultura nazionale non è più stata la stessa.
Impariamo a disprezzare noi stessi e ci abituiamo a farlo tutta la vita. C’è chi non vede, chi sembra letteralmente cieco a non accorgersi che Jorge Amado non è stato uno dei più importanti scrittori del Brasile ma, indiscutibilmente, uno dei più grandi autori del secolo, considerando che per il mondo colto e, per molti aspetti, per il grande pubblico di molti paesi, incarnava praticamente il Brasile, e ben pochi scrittori possono vantare questo onore. Egli, con orgoglio e dignità, ci rappresentava, era come un simbolo della nostra affermazione nazionale, era il nostro scrittore.
Ma tutto questo esiste e non potrà essere negato, perché il patrimonio che Jorge Amado ci ha lasciato è eterno e indelebile, è entrato nelle nostre anime e la prospettiva storica gli darà il rilievo che giustamente merita e che alcuni ancora negano, svalutando e cercando di sminuire la statura indistruttibile che la sua opera e la sua vita hanno raggiunto, gli ideali per i quali è finito quattro volte in prigione, è stato esiliato e non è stato capito. Egli ha sempre detto che il suo protagonista era il popolo e per questo motivo, con disprezzo mal celato, c’è chi lo definisce populista. Lui non se n’è mai preoccupato, gli piaceva persino.
Mi trovavo a Bahia per il suo funerale e ho visto il popolo nelle strade che, emozionato, applaudiva al suo scrittore. Molti di loro non sanno neanche leggere ma tutti sanno di aver perso qualcosa di molto importante che, fortunatamente, sopravviverà per sempre nell’opera che ha lasciato.
Ho finito per dilungarmi più di quanto volessi in argomenti che altri esploreranno molto meglio di me. Volevo invece parlare di quello in cui mi sento autorevole, la nostra amicizia. Cacá Diegues ha detto alla stampa che noi tutti siamo il risultato di quello che lui ha inventato, vogliamo essere il progetto che la sua opera rappresenta per il Brasile. Sull’aereo col quale tornavamo da Bahia, Caetano Veloso mi ha detto la stessa cosa. Erodoto ha scritto che l’Egitto è un dono del Nilo, e noi siamo un dono di Jorge. Da parte mia, lo so bene. È stato lui il primo che ha creduto in me, da quando avevo 17 anni. È stato lui che in un hotel, vedendo che mi registravo dichiarando timidamente di essere giornalista, prese la scheda, la strappò e disse
- Giornalista è ottimo, ma non è quello che sei. Mettici scrittore, tu sei uno scrittore.
È stato lui a seguirmi per tutto questo tempo, dandomi fiducia ovunque andassi e qualunque cosa facessi. Era lui che, affettuosamente, mi faceva notare i miei errori, le mie decisioni affrettate, persino il fatto che trascurassi la mia salute. La saggezza e la benevolenza con le quali mi ha sempre guidato non mi abbandoneranno mai, questa complicità che mi ha reso più ricco e più nobile fa di me un privilegiato con la maiuscola. Non posso elencare tutto quello di cui sono debitore a Jorge, direttamente e non. So soltanto che ho nostalgia di lui e delle ore passate insieme e so che vivrò il resto della mia vita con questa nostalgia.
Portuguese to Italian: la nuova california
Source text - Portuguese Ninguém sabia donde viera aquele homem. O agente do Correio pudera apenas informar que acudia ao nome de Raimundo Flamel, pois assim era subscrita a correspondência que recebia. E era grande. Quase diariamente, o carteiro lá ia a um dos extremos da cidade, onde morava o desconhecido, sopesando um maço alentado de cartas vindas do mundo inteiro, grossas revistas em línguas arrevesadas, livros, pacotes...
Quando Fabrício, o pedreiro, voltou de um serviço em casa do novo habitante, todos na venda perguntaram-lhe que trabalho lhe tinha sido determinado.
— Vou fazer um forno, disse o preto, na sala de jantar.
Imaginem o espanto da pequena cidade de Tubiacanga, ao saber de tão extravagante construção: um forno na sala de jantar! E, pelos dias seguintes, Fabrício pôde contar que vira balões de vidros, facas sem corte, copos como os da farmácia —um rol de coisas esquisitas a se mostrarem pelas mesas e prateleiras como utensílios de uma bateria de cozinha em que o próprio diabo cozinhasse.
O alarme se fez na vila. Para uns, os mais adiantados, era um fabricante de moeda falsa; para outros, os crentes e simples, um tipo que tinha parte com o tinhoso.
Chico da Tirana, o carreiro, quando passava em frente da casa do homem misterioso, ao lado do carro a chiar, e olhava a chaminé da sala de jantar a fumegar, não deixava de persignar-se e rezar um "credo" em voz baixa; e, não fora a intervenção do farmacêutico, o subdelegado teria ido dar um cerco à casa daquele indivíduo suspeito, que inquietava a imaginação de toda uma população.
Tomando em consideração as informações de Fabrício, o boticário Bastos concluirá que o desconhecido devia ser um sábio, um grande químico, refugiado ali para mais sossegadamente levar avante os seus trabalhos científicos.
Homem formado e respeitado na cidade, vereador, médico também, porque o doutor Jerônimo não gostava de receitar e se fizera sócio da farmácia para mais em paz viver, a opinião de Bastos levou tranqüilidade a todas as consciências e fez com que a população cercasse de uma silenciosa admiração a pessoa do grande químico, que viera habitar a cidade.
De tarde, se o viam a passear pela margem do Tubiacanga, sentando-se aqui e ali, olhando perdidamente as águas claras do riacho, cismando diante da penetrante melancolia do crespúsculo, todos se- descobriam e não era raro que às "boas noites" acrescentassem "doutor". E tocava muito o coração daquela gente a profunda simpatia com que ele tratava as crianças, a maneira pela qual as contemplava, parecendo apiedar-se de que elas tivessem nascido para sofrer e morrer.
Na verdade, era de ver-se, sob a doçura suave da tarde, a bondade de Messias com que ele afagava aquelas crianças pretas, tão lisas de pele e tão tristes de modos, mergulhadas no seu cativeiro moral, e também as brancas, de pele baça, gretada e áspera, vivendo amparadas na necessária caquexia dos trópicos.
Por vezes, vinha-lhe vontade de pensar qual a razão de ter Bernardin de Saint-Pierre gasto toda a sua ternura com Paulo e Virgínia e esquecer-se dos escravos que os cercavam...
Em poucos dias a admiração pelo sábio era quase geral, e não o era unicamente porque havia alguém que não tinha em grande conta os méritos do novo habitante.
Capitão Pelino, mestre-escola e redator da Gazeta de Tubiacanga, órgão local e filiado ao partido situacionista, embirrava com o sábio. "Vocês hão de ver, dizia ele, quem é esse tipo... Um caloteiro, um aventureiro ou talvez um ladrão fugido do Rio."
A sua opinião em nada se baseava, ou antes, baseava-se no seu oculto despeito vendo na terra um rival para a fama de sábio de que gozava. Não que Pelino fosse químico, longe disso; mas era sábio, era gramático. Ninguém escrevia em Tubiacanga que não levasse bordoada do Capitão Pelino, e mesmo quando se falava em algum homem notável lá no Rio, ele não deixava de dizer: "Não há dúvida! O homem tem talento, mas escreve: 'um outro', 'de resto'..." E contraía os lábios como se tivesse engolido alguma cousa amarga.
Toda a vila de Tubiacanga acostumou-se a respeitar o solene Pelino, que corrigia e emendava as maiores glórias nacionais. Um sábio...
Ao entardecer, depois de ler um pouco o Sotero, o Candido de Figueiredo ou o Castro Lopes, e de ter passado mais uma vez a tintura nos cabelos, o velho mestre-escola saía vagarosamente de casa, muito abotoado no seu paletó de brim mineiro, e encaminhava-se para a botica do Bastos a dar dous dedos de prosa. Conversar é um modo de dizer, porque era Pelino avaro de palavras, limitando-se tão-somente a ouvir. Quando, porém, dos lábios de alguém escapava a menor incorreção de linguagem, intervinha e emendava. "Eu asseguro, dizia o agente do Correio, que..." Por aí, o mestre-escola intervinha com mansuetude evangélica: "Não diga 'asseguro' Senhor Bernardes; em português é garanto."
E a conversa continuava depois da emenda, para ser de novo interrompida por uma outra. Por essas e outras, houve muitos palestradores que se afastaram, mas Pelino, indiferente, seguro dos seus deveres, continuava o seu apostolado de vernaculismo. A chegada do sábio veio distraí-lo um pouco da sua missão. Todo o seu esforço voltava-se agora para combater aquele rival, que surgia tão inopinadamente.
Foram vãs as suas palavras e a sua eloqüência: não só Raimundo Flamel pagava em dia as suas contas, como era generoso—pai da pobreza—e o farmacêutico vira numa revista de específicos seu nome citado como químico de valor.
II
Havia já anos que o químico vivia em Tubiacanga, quando, uma bela manhã, Bastos o viu entrar pela botica adentro. O prazer do farmacêutico foi imenso. O sábio não se dignara até aí visitar fosse quem fosse e, certo dia, quando o sacristão Orestes ousou penetrar em sua casa, pedindo-lhe uma esmola para a futura festa de Nossa Senhora da Conceição, foi com visível enfado que ele o recebeu e atendeu.
Vendo-o, Bastos saiu de detrás do balcão, correu a recebê-lo com a mais perfeita demonstração de quem sabia com quem tratava e foi quase em uma exclamação que disse:
—Doutor, seja bem-vindo.
O sábio pareceu não se surpreender nem com a demonstração de respeito do farmacêutico, nem com o tratamento universitário. Docemente, olhou um instante a armação cheia de medicamentos e respondeu:
— Desejava falar-lhe em particular, Senhor Bastos.
O espanto do farmacêutico foi grande. Em que poderia ele ser útil ao homem, cujo nome corria mundo e de quem os jornais falavam com tão acendrado respeito? Seria dinheiro? Talvez... Um atraso no pagamento das rendas, quem sabe? E foi conduzindo o químico para o interior da casa, sob o olhar espantado do aprendiz que, por um momento, deixou a "mão" descansar no gral, onde macerava uma tisana qualquer.
Por fim, achou ao fundo, bem no fundo, o quartinho que lhe servia para exames médicos mais detidos ou para as pequenas operações, porque Bastos também operava. Sentaram-se e Flamel não tardou a expor:
— Como o senhor deve saber, dedico-me à química, tenho mesmo um nome respeitado no mundo sábio...
— Sei perfeitamente, doutor, mesmo tenho disso informado, aqui, aos meus amigos.
— Obrigado. Pois bem: fiz uma grande descoberta, extraordinária. . .
Envergonhado com o seu entusiasmo, o sábio fez uma pausa e depois continuou:
— Uma descoberta... Mas não me convém, por ora, comunicar ao mundo sábio, compreende?
— Perfeitamente.
— Por isso precisava de três pessoas conceituadas que fossem testemunhas de uma experiência dela e me dessem um atestado em forma, para resguardar a prioridade da minha invenção... O senhor sabe: há acontecimentos imprevistos e...
— Certamente! Não há dúvida!
— Imagine o senhor que se trata de fazer ouro...
— Como? O quê? fez Bastos, arregalando os olhos.
— Sim! Ouro! disse, com firmeza, Flamel.
— Como?
— O senhor saberá, disse o químico secamente. A questão do momento são as pessoas que devem assistir à experiência, não acha?
— Com certeza, é preciso que os seus direitos fiquem resguardados, porquanto...
— Uma delas, interrompeu o sábio, é o senhor; as outras duas, o Senhor Bastos fará o favor de indicar-me.
O boticário esteve um instante a pensar, passando em revista os seus conhecimentos e, ao fim de uns três minutos, perguntou:
— O Coronel Bentes lhe serve? Conhece?
— Não. O senhor sabe que não me dou com ninguém aqui.
— Posso garantir-lhe que é homem sério, rico e muito discreto.
— E religioso? Faço-lhe esta pergunta, acrescentou Flamel logo, porque temos que lidar com ossos de defunto e só estes servem...
— Qual! E quase ateu...
— Bem! Aceito. E o outro?
Bastos voltou a pensar e dessa vez demorou-se um pouco mais consultando a sua memória... Por fim, falou:
— Será o Tenente Carvalhais, o coletor, conhece?
— Como já lhe disse...
— E verdade. E homem de confiança, sério, mas...
— Que é que tem?
— E maçom.
— Melhor.
— E quando é?
— Domingo. Domingo, os três irão lá em casa assistir à experiência e espero que não me recusarão as suas firmas para autenticar a minha descoberta.
— Está tratado.
Domingo, conforme prometeram, as três pessoas respeitáveis de Tubiacanga foram à casa de Flamel, e, dias depois, misteriosamente, ele desaparecia sem deixar vestígios ou explicação para o seu desaparecimento.
III
Tubiacanga era uma pequena cidade de três ou quatro mil habitantes, muito pacífica, em cuja estação, de onde em onde, os expressos davam a honra de parar. Há cinco anos não se registrava nela um furto ou roubo. As portas e janelas só eram usadas... porque o Rio as usava.
O único crime notado em seu pobre cadastro fora um assassinato por ocasião das eleições municipais; mas, atendendo que o assassino era do partido do governo, e a vítima da oposição, o acontecimento em nada alterou os hábitos da cidade, continuando ela a exportar o seu café e a mirar as suas casas baixas e acanhadas nas escassas águas do pequeno rio que a batizara.
Mas, qual não foi a surpresa dos seus habitantes quando se veio a verificar nela um dos repugnantes crimes de que se tem memória! Não se tratava de um esquartejamento ou parricídio; não era o assassinato de uma família inteira ou um assalto à coletoria; era cousa pior, sacrílega aos olhos de todas as religiões e consciências: violavam-se as sepulturas do "Sossego", do seu cemitério, do seu campo-santo.
Em começo, o coveiro julgou que fossem cães, mas, revistando bem o muro, não encontrou senão pequenos buracos. Fechou-os; foi inútil. No dia seguinte, um jazigo perpétuo arrombado e os ossos saqueados; no outro, um carneiro e uma sepultura rasa. Era gente ou demônio. O coveiro não quis mais continuar as pesquisas por sua conta, foi ao subdelegado e a notícia espalhou-se pela cidade.
A indignação na cidade tomou todas as feições e todas as vontades. A religião da morte precede todas e certamente será a última a morrer nas consciências. Contra a prolanação, clamaram os seis presbiterianos do lugar—os bíblicos, como lhes chama o povo; clamava o Agrimensol Nicolau, antigo cadete, e positivista do rito Teixeira Mendes; clamava o Major Camanho, presidente da Loja Nova Esperança; clamavam o turco Miguel Abudala, negociante de armarinho, e o cético Belmiro, antigo estudante, que vivia ao deus-dará, bebericando parati nas tavernas. A própria filha do engenheiro residente da estrada de ferro, que vivia desdenhando aquele lugarejo, sem notar sequer os suspiros dos apaixonados locais, sempre esperando que o expresso trouxesse um príncipe a desposá-la—, a linda e desdenhosa Cora não pôde deixar de compartilhar da indignação e do horror que tal ato provocara em todos do lugarejo. Que tinha ela com o túmulo de antigos escravos e humildes roceiros? Em que podia interessar aos seus lindos olhos pardos o destino de tão humildes ossos? Porventura o furto deles perturbaria o seu sonho de fazer radiar a beleza de sua boca, dos seus olhos e do seu busto nas calçadas do Rio?
Decerto, não; mas era a Morte, a Morte implacável e onipotente, de que ela também se sentia escrava, e que não deixaria um dia de levar a sua linda caveirinha para a paz eterna do cemitério. Aí Cora queria os seus ossos sossegados, quietos e comodamente descansando num caixão bem feito e num túmulo seguro, depois de ter sido a sua carne encanto e prazer dos vermes...
O mais indignado, porém, era Pelino. O professor deitara artigo de fundo, imprecando, bramindo, gritando: "Na estória do crime, dizia ele, já bastante rica de fatos repugnantes, como sejam: o esquartejamento de Maria de Macedo, o estrangulamento dos irmãos Fuoco, não se registra um que o seja tanto como o saque às sepulturas do 'Sossego'. "
E a vila vivia em sobressalto. Nas faces não se lia mais paz; os negócios estavam paralisados; os namoros suspensos. Dias e dias por sobre as casas pairavam nuvens negras e, à noite, todos ouviam ruídos, gemidos, barulhos sobrenaturais... Parecia que os mortos pediam vingança...
O saque, porém, continuava. Toda noite eram duas, três sepulturas abertas e esvaziadas de seu fúnebre conteúdo. Toda a população resolveu ir em massa guardar os ossos dos seus maiores. Foram cedo, mas, em breve, cedendo à fadiga e ao sono, retirou-se um, depois outro e, pela madrugada, já não havia nenhum vigilante. Ainda nesse dia o coveiro verificou que duas sepulturas tinham sido abertas e os ossos levados para destino misterioso.
Organizaram então uma guarda. Dez homens decididos juraram perante o subdelegado vigiar durante a noite a mansão dos mortos.
Nada houve de anormal na primeira noite, na segunda e na terceira; mas, na quarta, quando os vigias já se dispunham a cochilar, um deles julgou lobrigar um vulto esgueirando-se por entre a quadra dos carneiros. Correram e conseguiram apanhar dous dos vampiros. A raiva e a indignação, até aí sopitadas no animo deles, não se contiveram mais e
deram tanta bordoada nos macabros ladrões, que os deixaram estendidos como mortos.
A notícia correu logo de casa em casa e, quando, de manhã, se tratou de estabelecer a identidade dos dous malfeitores, foi diante da população inteira que foram neles reconhecidos o Coletor Carvalhais e o Coronel Bentes, rico fazendeiro e presidente da Câmara. Este último ainda vivia e, a perguntas repetidas que lhe fizeram, pôde dizer que juntava os ossos para fazer ouro e 0 companheiro que fugira era 0 farmacêutico.
Houve espanto e houve esperanças. Como fazer ouro com ossos? Seria possível? Mas aquele homem rico, respeitado, como desceria ao papel de ladrão de mortos se a cousa não fosse verdade!
Se fosse possível fazer, se daqueles míseros despojos fúnebres se pudesse fazer alguns contos de réis, como não seria bom para todos eles!
O carteiro, cujo velho sonho era a formatura do filho, viu logo ali meios de consegui-la. Castrioto, o escrivão do juiz de paz, que no ano passado conseguiu comprar uma casa, mas ainda não a pudera cercar, pensou no muro, que lhe devia proteger a horta e a criação. Pelos olhos do sitiante Marques, que andava desde anos atrapalhado para arranjar um pasto, pensou logo no prado verde do Costa, onde os seus bois engordariam e ganhariam forças...
Às necessidades de cada um, aqueles ossos que eram ouro viriam atender, satisfazer e felicitá-los; e aqueles dous ou três milhares de pessoas, homens, crianças, mulheres, moços e velhos, como se fossem uma só pessoa, correram à casa do farmacêutico.
A custo, o subdelegado pôde impedir que varejassem a botica e conseguir que ficassem na praça, à espera do homem que tinha o segredo de todo um Potosi. Ele não tardou a aparecer. Trepado a uma cadeira, tendo na mão uma pequena barra de ouro que reluzia ao forte sol da manhã, Bastos pediu graça, prometendo que ensinaria o segredo, se lhe poupassem a vida. "Queremos já sabê-lo," gritaram. Ele então explicou que era preciso redigir a receita, indicar a marcha do processo, os reativos—trabalho longo que só poderia ser entregue impresso no dia seguinte. Houve um murmúrio, alguns chegaram a gritar, mas o subdelegado falou e responsabilizou-se pelo resultado.
Docilmente, com aquela doçura particular às multidões furiosas, cada qual se encaminhou para casa, tendo na cabeça um único pensamento: arranjar imediatamente a maior porção de ossos de defunto que pudesse.
O sucesso chegou à casa do engenheiro residente da estrada de ferro. Ao jantar, não se falou em outra cousa. O doutor concatenou o que ainda sabia do seu curso, e afirmou que era impossível. Isto era alquimia, cousa morta: ouro é ouro, corpo simples, e osso é osso, um composto, fosfato de cal. Pensar que se podia fazer de uma cousa outra era "besteira". Cora aproveitou o caso para rir-se petropolimente da crueldade daqueles botocudos; mas sua mãe, Dona Emilia, tinha fé que a cousa era possível.
À noite, porém, o doutor percebendo que a mulher dormia, saltou a janela e correu em direitura ao cemitério; Cora, de pés nus, com as chinelas nas mãos, procurou a criada para irem juntas à colheita de ossos. Não a encontrou, foi sozinha; e Dona Emília, vendo-se só, adivinhou o passeio e lá foi também. E assim aconteceu na cidade inteira. O pai, sem dizer nada ao filho, saía; a mulher, julgando enganar o marido, saía; os filhos, as filhas, os criados—toda a população, sob a luz das estrelas assombradas, correu ao satânico rendez-vous no "Sossego". E ninguém faltou. O mais rico e o mais pobre lá estavam. Era o turco Miguel, era o professor Pelino, o doutor Jerônimo, o Major Camanho, Cora, a linda e deslumbrante Cora, com os seus lindos dedos de alabastro, revolvia a sânie das sepulturas, arrancava as carnes, ainda podres agarradas tenazmente aos ossos e deles enchia o seu regaço até ali inútil. Era o dote que colhia e as suas narinas, que se abriam em asas rosadas e quase transparentes, não sentiam o fétido dos tecidos apodrecidos em lama fedorenta...
A desinteligência não tardou a surgir; os mortos eram poucos e não bastavam para satisfazer a fome dos vivos. Houve facadas, tiros, cachações. Pelino esfaqueou o turco por causa de um fêmur e mesmo entre as famílias questões surgiram. Unicamente, o carteiro e o filho não brigaram. Andaram juntos e de acordo e houve uma vez que o pequeno, uma esperta criança de onze anos, até aconselhou ao pai: "Papai vamos aonde está mamãe; ela era tão gorda..."
De manhã, o cemitério tinha mais mortos do que aqueles que recebera em trinta anos de existencia. Uma única pessoa lá não estivera, não matara nem profanara sepulturas: fora o bêbedo Belmiro.
Entrando numa venda, meio aberta, e nela não encontrando ninguém, enchera uma garrafa de parati e se deixara ficar a beber sentado na margem do Tubiacanga, vendo escorrer mansamente as suas águas sobre o áspero leito de granito—ambos, ele e o rio, indiferentes ao que já viram, mesmo à fuga do farmacêutico, com o seu Potosi e o seu segredo, sob o dossel eterno das estrelas.
Translation - Italian
Nessuno sapeva da dove venisse quell'uomo. L'impiegato delle poste poteva solo riferire che rispondeva al nome di Raimundo Flamel, poiché così era intestata la corrispondenza che riceveva. Ed era tanta. Quasi ogni giorno, il postino andava dall'altra parte della città dove abitava lo sconosciuto, soppesando un robusto fascio di lettere arrivate da tutto il mondo, grosse riviste in lingue incomprensibili, libri, pacchetti…
Quando Fabricio, il muratore, tornò da un lavoro in casa del nuovo cittadino, nella bottega tutti gli chiesero che lavoro gli avesse commissionato.
"Farò un forno", disse il negro, "nella sala da pranzo".
Immaginate lo spavento della piccola cittadina di Tubiacanga nell'apprendere la notizia di una simile stravagante costruzione: un forno nella sala da pranzo! Nei giorni successivi, Fabricio poté raccontare di aver visto palle di vetro, coltelli senza lama, vasi come quelli delle farmacie - una serie di oggetti stravaganti che erano messi in mostra sui tavoli e sulle credenze come fossero utensili di una batteria da cucina con cui il diavolo in persona cucinasse.
Nella città scoppiò l'allarme. Per alcuni, i più emancipati, era un fabbricante di denaro falso; per altri, i creduloni e i sempliciotti, un tipo che aveva a che fare con il maligno.
Chico da Tirana, il carrettiere, quando passava davanti alla casa dell'uomo misterioso con il carro che cigolava, e guardava il comignolo della sala da pranzo che fumava, non tralasciava di farsi il segno della croce e di recitare un "Credo" sottovoce. E, se non fosse stato per l'intervento del farmacista, il Sottodelegato avrebbe messo una recinzione alla casa di quell'individuo sospetto, che inquietava l'immaginazione di tutta una popolazione.
Basandosi sulle informazioni di Fabricio, il farmacista Bastos, aveva concluso che lo sconosciuto doveva essere uno studioso, un grande chimico, rifugiatosi lì per portare avanti le sue ricerche scientifiche con maggiore tranquillità.
Essendo Bastos un uomo colto e rispettato nella città, consigliere, medico anche, perché il dottor Jeronimo non amava fare le ricette e se l'era fatto socio per vivere meglio in pace, la sua opinione portò la tranquillità in tutte le coscienze, e fece sì che la popolazione circondasse di una silenziosa ammirazione la persona del grande chimico, che era venuto ad abitare in quella città.
Al pomeriggio, se lo vedevano passeggiare lungo la riva del Tubiacanga, seduto ora qui, ora lì, mentre guardava perdutamente le chiare acque del fiumiciattolo, meditando davanti alla penetrante malinconia del crepuscolo, tutti si toglievano il cappello e non era raro che al "buona sera", aggiungessero "dottore". E toccava profondamente il cuore di quella gente la profonda simpatia con cui egli trattava i bambini, la maniera in cui li ammirava, sembrando impietosirsi perché erano nati per soffrire e morire.
Era davvero ammirevole, nella dolcezza soave del pomeriggio, la bontà da Messia con cui egli accarezzava quelle creature nere, con la pelle così liscia e i modi così tristi, immerse nella loro prigionia morale, e anche quelle bianche, dalla pelle sbiadita, screpolata e aspra, che vivevano al riparo nella inevitabile fiacchezza dei tropici.
A volte, gli veniva voglia di pensare quale fosse la ragione per cui Bernardin de Saint-Pierre avesse speso tutte le sue energie con Paolo e Virginia e si fosse dimenticato degli schiavi che aveva intorno…
In pochi giorni l'ammirazione per lo studioso se non era ancora diventata generale, era solo perché c'era qualcuno che non aveva grande considerazione per i meriti del nuovo cittadino.
Capitan Pelino, maestro elementare e redattore della Gazzetta di Tubiacanga, organo locale affiliato al partito di maggioranza, non sopportava lo studioso. "Vedrete", diceva, "chi è quel tipo… Un profittatore, un avventuriere o forse un ladro scappato da Rio".
La sua opinione non era basata su niente o, anzi, si basava su un dispetto recondito, avendo visto sulla terra un rivale per la fama di erudito di cui godeva. Non che Pelino fosse chimico, tutt'altro; ma era erudito, era un grammatico. Nessuno poteva scrivere a Tubiacanga senza ricevere una stilettata dal Capitan Pelino e, anche quando si parlava di qualche uomo illustre di Rio, egli non ometteva di dire:"Non c'è dubbio! Il tizio ha talento, ma scrive "uno altro", "dello resto"…". E contraeva la bocca come se avesse ingoiato qualcosa d'amaro.
Tutta la città di Tubiacanga si era abituata a rispettare il solenne Pelino, che correggeva ed emendava le maggiori glorie nazionali.
All'imbrunire, dopo aver letto un poco Sotero, Candido de Figuereido oppure Castro Lopes, e avere passato più di una volta la tintura sui capelli, il vecchio maestro elementare usciva pacatamente da casa, tutto abbottonato nel suo cappotto di rigatino di Minas, e s'incamminava verso la bottega di Bastos a scambiare quattro parole di prosa. Conversare è un modo di dire perché Pelino era avaro di parole, limitandosi solo ad ascoltare. Quando, però, dalla bocca di qualcuno scappava la più piccola imperfezione linguistica, interveniva e correggeva. "Io assicuro", diceva il postino, "che…"; lì il maestro elementare interveniva con mansuetudine evangelica: "Non dica "assicuro" signor Bernardes, in portoghese si dice "garantisco".
E la conversazione continuava una correzione dopo l'altra. Fu così che molti interlocutori si allontanarono, ma Pelino, indifferente, sicuro dei suoi doveri, continuava il suo apostolato purista. L'arrivo dello studioso lo distraeva leggermente dalla sua missione. Tutti i suoi sforzi si concentravano ora per combattere quel rivale che era comparso così inopinatamente.
Vaghe furono le sue parole e la sua eloquenza: non solo Raimundo Flamel pagava regolarmente i suoi conti, ma era anche generoso - padre dei poveri -, e il farmacista aveva letto su una rivista di medicinali il suo nome citato come chimico di valore.
II
Già da alcuni anni il chimico viveva a Tubiacanga quando, una bella mattina, Bastos lo vide entrare nella farmacia. Il piacere del farmacista fu immenso. Lo studioso non si era mai degnato di andare a far visita a chicchessia e, un certo giorno, quando il sacrestano Oreste aveva osato entrare in casa sua chiedendogli un'offerta per la festa di Nossa Senhora da Conceição, fu con palese scortesia che egli lo aveva accolto.
Vedendolo, Bastos uscì da dietro al bancone e corse a riceverlo con le migliori attestazioni di chi sa con chi ha a che fare e, quasi esultando, disse:
"Dottore, sia il benvenuto".
Lo studioso sembrò non sorprendersi né della dimostrazione di riverenza del farmacista, né del titolo universitario. Guardò un istante lo scaffale pieno di medicine e dolcemente rispose:
"Desideravo parlarle in privato, signor Bastos".
Lo stupore del farmacista fu grande. In cosa avrebbe potuto essere utile all'uomo il cui nome correva per il mondo e di cui i giornali parlavano con tanto limpido rispetto?
Era il denaro? Forse… Un ritardo nel pagamento delle rendite, chissà? E così condusse il chimico all'interno della casa sotto lo sguardo atterrito dell'apprendista che, per un momento, lasciò riposare il pestello nel mortaio, dove stava macerando qualche tisana.
Alla fine, trovò in fondo, molto in fondo, una stanzetta che usava per le visite mediche più minuziose o per le piccole operazioni, perché Bastos operava anche.
Si sedettero e Flamel non tardò a spiegare:
"Come lei saprà, mi dedico alla chimica e ho anche una certa fama nel mondo degli scienziati…".
"Lo so bene, dottore, ne ho anche informato i miei amici".
"Grazie. Dunque: ho fatto una grande scoperta, straordinaria…".
Imbarazzato dal proprio entusiasmo lo studioso fece una pausa e poi continuò:
"Una scoperta… Ma non è conveniente, per adesso, divulgarla al mondo scientifico, capisce?".
"Perfettamente".
"Per questo avrei bisogno di tre persone ragguardevoli che facessero da testimoni ad un esperimento e mi dessero un attestato formale, per salvaguardare la paternità della mia invenzione… Lei comprende, ci sono avvenimenti imprevisti e…".
"Certamente, non c'è dubbio!".
"Immagini che si tratta di fare oro…".
"Come? Cosa?", fece Bastos, spalancando gli occhi.
"Sì! Oro!", disse con fermezza Flamel.
"Ma come?".
"Lo saprà", disse il chimico seccamente. " il problema per ora sono le persone che devono assistere all'esperimento, non trova?".
"Certo, è necessario salvaguardare i suoi diritti, infatti…".
"Una di esse", interruppe lo studioso, "è lei. Le altre due, signor Bastos, deve indicarmele lei".
Il farmacista rimase un momento a pensare, passando in rivista le sue conoscenze e, dopo tre minuti, chiese:
"Il Colonnello Bentes può andare? Lo conosce?".
"No. Lei sa che non ho rapporti con nessuno qui".
"Le posso garantire che è un uomo serio, ricco e molto discreto".
"è religioso? Le faccio questa domanda perché avremo a che fare con ossa di morti che sono indispensabili…".
"Macché! È quasi ateo…".
"Bene! Accetto. E l'altro?".
Bastos tornò a pensare e questa volta impiegò un po' di più per interrogare la sua memoria… Alla fine parlò:
"Sarà il Tenente Carvalhais, l'esattore, lo conosce?".
"Come le ho già detto…".
"Già, è un uomo di fiducia, serio, ma…".
"Cosa c'è?".
"è massone".
"Meglio".
"E quando sarà?".
"Domenica. Domenica voi tre verrete a casa mia ad assistere all'esperimento e spero che non mi rifiuterete le vostre firme per autenticare la mia scoperta".
"Siamo d'accordo".
Domenica, com'era stato promesso, i tre rispettabili uomini di Tubiacanga andarono a casa di Flamel e, alcuni giorni dopo, misteriosamente, egli sparì senza lasciare tracce o spiegazioni del suo dileguamento.
III
Tubiacanga era una piccola città di tre o quattro mila abitanti, molto pacifica, nella cui stazione, di quando in quando, gli espressi facevano l'onore di fermarsi. Da cinque anni non si registrava un furto o una rapina. Le porte e le finestre si usavano solo… perché si usavano a Rio.
L'unico crimine annotato nel misero registro fu un assassinio in occasione delle elezioni municipali ma, essendo l'assassino del partito di governo e la vittima di quello all'opposizione, l'avvenimento non alterò le abitudini della città, che continuò ad esportare il proprio caffè e a specchiare le sue case piccole e basse sulle povere acque del fiume che l'aveva battezzata.
Ma quale non fu la sorpresa dei suoi abitanti quando si venne a verificare uno dei più ripugnanti crimini di cui si ha memoria! Non si trattava di uno squartamento o di un parricidio; non era l'omicidio di una famiglia intera o un assalto all'esattoria. Era una cosa peggiore, sacrilega agli occhi di tutte le religioni e di tutte le coscienze: venivano violate le tombe del "Riposo", il cimitero, il camposanto.
All'inizio, il becchino pensò che si trattasse di cani, ma, esaminando bene il muro di cinta non trovò che dei piccoli buchi. Li richiuse; fu inutile. Il giorno dopo, un pietra sepolcrale divelta e le ossa trafugate; il successivo, un'urna e una fossa comune. Erano esseri umani o il demonio? Il becchino non volle più continuare le ricerche da solo, andò dal Sottodelegato e la notizia si sparse ovunque.
Nella cittadina l'indignazione colse ogni razza e ogni spirito. Il culto della morte li precede tutti e sarà sicuramente l'ultimo a morire nelle coscienze. Contro la profanazione protestarono i sei presbiteriani del luogo, i biblici, come vengono chiamati dal popolo. Protestava Agrimensol Nicolau, vecchio cadetto e adepto del rito Teixeira Mendes; protestava il Maggiore Camanho, presidente della Loggia Nuova Speranza; protestavano il turco Miguel Abudala, negoziante di mercerie, e lo scettico Belmiro, vecchio studente che viveva alla giornata, sbevazzando acquavite nelle osterie. La stessa figlia dell'ingegnere responsabile della ferrovia, che viveva disdegnando quel paesino, senza neanche notare i sospiri dei corteggiatori locali, sempre nell'attesa di veder scendere dall'espresso un principe che la sposasse, la bella e disdegnosa Cora non poté fare a meno di condividere l'indignazione e l'orrore che tale avvenimento aveva provocato in tutti gli abitanti del paesino. Che c'entrava lei con la tomba di antichi schiavi e umili contadini? Cosa poteva interessare ai suoi begli occhi scuri il destino di ossa così umili? Forse, il loro sacrilegio avrebbe turbato il suo sogno di far splendere la bellezza della sua bocca, dei suoi occhi e del suo corpo sulle strade di Rio?
No di certo. Ma era la Morte, la Morte implacabile e onnipotente, di cui anche lei si sentiva schiava e che non si esimerebbe un giorno di portare il suo bel visetto alla pace eterna del cimitero. Lì, Cora, desiderava che le sue ossa risposassero tranquille, quiete, e comode, in una cassa ben fatta e in una tomba sicura, dopo che la sua carne fosse stata la delizia e il piacere dei vermi…
Il più indignato, però, era Pelino. Il professore ne fece un articolo di fondo, imprecando, sbraitando, gridando: "Nella storia del crimine", diceva, "già abbastanza ricca di fatti ripugnanti come lo squartamento di Maria de Macedo, lo strangolamento dei fratelli Fuoco, non se ne registra uno che lo sia altrettanto come il saccheggio alle tombe del "Riposo"".
E la cittadina viveva in agitazione. Sui volti non si leggeva più la pace, gli affari erano paralizzati, i corteggiamenti sospesi. Sulle case per giorni e giorni incombevano nuvole nere e, la notte, tutti sentivano rumori, gemiti, schiamazzi soprannaturali… Sembrava che i morti chiedessero vendetta…
Il trafugamento, tuttavia, continuava. Ogni notte due, tre tombe venivano aperte e svuotate del loro funebre contenuto. Tutta la popolazione decise di andare in massa a sorvegliare le ossa dei loro avi. Si recarono presto ma, in breve tempo, cedendo alla fatica e al sonno, iniziò a ritirarsi uno, poi un altro e, all'alba, non c'era più nessun vigilante. Anche quel giorno il becchino verificò che due tombe erano state aperte e le ossa portate verso un destino misterioso.
Si organizzò quindi una guardia. Dieci uomini determinati giurarono davanti al Sottodelegato di vigilare tutta la notte la dimora dei morti.
La prima notte non successe niente di strano, né la seconda e la terza. Ma la quarta, quando già si accingevano a sonnecchiare, uno dei vigilanti pensò di aver scorto un volto che se la svignava dal recinto delle fosse.
Si misero a correre e riuscirono ad acchiappare due dei vampiri. Non contennero più la rabbia e l'indignazione, fino ad allora assopite nei loro animi, e diedero tante bastonate ai macabri ladri, che li lasciarono stesi come morti.
La notizia corse subito di casa in casa e quando la mattina si trattò di stabilire l'identità dei due malfattori, vennero riconosciuti davanti all'intera popolazione come l'esattore Carvalhais e il colonnello Bentes, ricco proprietario terriero e presidente della Camera. Quest'ultimo era ancora vivo e alle ripetute domande che gli fecero riuscì a dire che raccoglieva le ossa per fare l'oro e il compagno che era fuggito era il farmacista.
Ci fu spavento e ci furono speranze. Come fare l'oro con le ossa? Era possibile? E quell'uomo ricco e rispettato perché avrebbe dovuto mettersi a fare il ladro di morti se la cosa non fosse stata vera!
Se fosse stato possibile, se da quelle misere spoglie funebri si fossero potuti ricavare qualche milione di reis, che cosa buona sarebbe stata per tutti loro!
Il postino, il cui antico sogno era la laurea del figlio, fiutò subito il modo per pagare gli studi. Castrioto, lo scrivano del giudice di pace, che l'anno precedente era riuscito a comprare una casa ma non aveva potuto recintarla, immaginò il muro che avrebbe protetto il suo orto e le sue bestie. Agli occhi dell'allevatore Marques, che da anni si affannava per rimediare un pascolo, apparve subito il campo verde del Costa, dove i suoi buoi sarebbero ingrassati e si sarebbero ripresi…
Quelle ossa che valevano oro avrebbero dato risposta e soddisfazione e felicità alle necessità di ognuno, e quelle due o tremila persone, uomini, bambini, donne, giovani e vecchi, come se fossero stati una sola persona, corsero a casa del farmacista.
A fatica il Sottodelegato riuscì ad impedire che irrompessero nella farmacia e che rimanessero ad aspettare sulla piazza l'uomo che possedeva il segreto di tutto un Potosì. Non tardò a comparire. Arrampicato su una sedia, con in mano una piccola barra d'oro che riluceva al sole forte del mattino, Bastos chiese la grazia promettendo che, se gli avessero risparmiato la vita, avrebbe rivelato il segreto. "Vogliamo saperlo subito", gridarono. Allora spiegò che era necessario trascrivere la formula, indicare lo svolgimento del processo, i componenti, un lavoro lungo che poteva essere redatto e consegnato solo per il giorno seguente. Ci fu un mormorio, alcuni si misero a gridare ma il sottodelegato prese la parola e si assunse la responsabilità del risultato.
Docilmente, con quella dolcezza tipica delle moltitudini furiose, ognuno s'incamminò verso casa con in testa un unico pensiero: trovare immediatamente la maggiore quantità di ossa di morti che fosse possibile.
La notizia dell'accaduto giunse in casa dell'ingegnere della ferrovia. Durante il pranzo non si parlò d'altro. Il dottore mise insieme quello che ancora ricordava dei suoi studi e affermò che la cosa era impossibile. Era cosa da alchimisti, roba passata. L'oro è oro, un corpo semplice, l'osso è osso, un composto, fosfato di calcio. Pensare che si potesse ricavare una cosa dall'altra era un'assurdità. Cora approfittò dell'occasione per ridere sprezzante della crudeltà di quei bifolchi. Ma sua madre, Dona Emilia, riteneva che la cosa fosse possibile.
La notte, tuttavia, l'ingegnere vedendo che la moglie dormiva, saltò dalla finestra e corse in direzione del cimitero; Cora, a piedi nudi, con le pantofole in mano, andò a cercare la domestica perché andassero insieme a raccogliere le ossa. Ma, non trovandola, andò sola. E Dona Emilia, ritrovatasi da sola e immaginando dov'erano, li raggiunse. E così accadde in tutta la città. Il padre, senza dire niente al figlio, usciva; la moglie, pensando d'ingannare il marito, usciva; i figli e le figlie, i servi, tutta la popolazione, alla luce offuscata delle stelle, corsero al satanico rendez-vous nel "Riposo". E non mancò nessuno. C'erano il più ricco e il più povero. C'era il turco Miguel, c'era il professor Pelino, il dottor Jeronimo, il Maggiore Camanho, Cora. La bella e sfolgorante Cora con le sue splendide mani d'alabastro rivoltava la putredine nelle tombe, strappava le carni marce ancora tenacemente attaccate alle ossa e se ne riempiva il grembo che finora non le era servito. Raccoglieva la dote, e le sue narici, che si aprivano come ali rosate e quasi trasparenti, non sentivano il fetore dei tessuti imputriditi in poltiglia puzzolente…
La discordia non tardò a comparire. I morti erano pochi e non bastavano per soddisfare la fame dei vivi. Ci furono coltellate, spari, botte. Pelino accoltellò il turco per un femore e anche all'interno delle famiglie sorsero liti. Solo il portalettere e il figlio non litigarono. Andarono d'amore e d'accordo e ci fu persino un'occasione in cui il piccolo, uno sveglio bambino di undici anni, consigliò al padre: "Papà, andiamo dov'è sepolta mamma, lei era così grossa…".
Al mattino, il cimitero aveva più morti di quanti ne aveva accolti in trent'anni d'esistenza. Solo una persona non c'era andata, non aveva ucciso né profanato le sepolture: era l'ubriacone Belmiro.
Entrando in una bottega semi aperta e non trovandovi nessuno, riempì una bottiglia di acquavite e si fermò a bere seduto sulla riva del Tubiacanga, guardando scorrere mitemente le sue acque sopra il ruvido letto di granito. Entrambi, lui e il fiume, indifferenti a quello che avevano visto, persino alla fuga del farmacista con il suo Potosì e il suo segreto, sotto la volta eterna delle stelle.