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Translation - Portuguese Uma velha carruagem com cavalos novos´: A crítica à Democracia de Nietzsche.
Hugo Drochon
Faculdade de História, Universidade de Cambridge, Reino Unido.
Em: Revista Estudos Nietzsche, Espírito Santo, v. 8, n. 1, p. 26-48, jan./jun. 2017, periodicos.ufes.br/estudosnietzsche/article/download/17599/12304
Resumo
O atual debate acerca do pensamento político de Nietzsche se desdobra entorno do seu papel na teoria democrática contemporânea: será ele um pensador a ser explorado por estimular instrumentos que reconstruam a legitimidade democrática em uma linha radical, pós-moderna e agonística ou será ele o maior crítico da moderna democracia o qual os democratas devem contrabalancear argumentos? Afastando-se dessa dicotomia, esse artigo se pergunta primeira e primordialmente o que significou a democracia para Nietzsche na Alemanha da ultima parte do século XIX, e nesse sentido, o que podemos aprender com ele hoje.
Para isso, será dada particular atenção ao contexto político e intelectual no qual o pensamento de Nietzsche estava envolvido, a saber, a relação de Bismarck com o novo Reichstag alemão, a descoberta de uma raça Ariana original por parte da filologia, e o encontro de Nietzsche com o pensamento racista de Gobinau em suas visitas junto ao circulo pessoal de Wagner.
Sustentamos que a derradeira contribuição de Nietzsche ao pensamento democrático não se encontra nas diferentes maneiras em que ele pode ou não ser usado para reforçar determinadas posições ideológicas contemporâneas, mas sim em como suas noções de ‘Moral de Rebanho’, ´Misaquirsmo` e ‘Método Genealógico’ permanecem fornecendo ferramentas conceituais para compreender o mundo político em que habitamos.
Palavras-chave: Nietzsche; Democracia; Agon; Moral de Rebanho; Misarquismo; Genealogia
Índice
1. Introdução
2. Democracia no Kaiserreich
3. Democracia e Aristocracia
4. Misarchismo, Cristianismo e moral de rebanho.
5. Degeneração e o ‘bom europeísmo’
6. Conclusão
1. Introdução
Uma ideia recorrente entre os estudiosos contemporâneos é que durante o chamado período intermediário, comumente compreendido entre os dois tomos de Humano demasiado Humano (I878-80), Aurora (I88I) e os primeiros quatro livros de Gaia Ciência (I882), Nietzsche tenha demonstrado uma disposição favorável para com a democracia. Em O andarilho e sua sombra 293 (I880, KSA 2 685) ‘Metas e pretensões da democracia’ é oferecido em particular por autores como Connolly, Owen, Patton e Schrift como aquele que tipifica o sentimento alegadamente pro-democratico de Nietzsche. Ali Nietzsche explica que “a democracia deseja criar e garantir a maior liberdade possível: independência de opinião, de modos de vida e de atividade laboral”. Até agora, pode-se dizer que este é um fator positivo do ponto de vista democrático mesmo que Nietzsche tenha ainda que expor os motivos por desejar em primeiro lugar, tal liberdade. Isso é consistente com a perspectiva de que, no período intermediário, Nietzsche tenha adotado uma visão mais neutra ou cientifica, aderindo ao ponto de vista da democracia (para esse fim) na tentativa de pensar as suas consequências lógicas. Mas ele ainda tem de endossar essa visão.
A discussão em torno de O Andarilho e sua sombra 293 ocorre no interior de um debate mais amplo, acerca do papel de Nietzsche na teoria democrática contemporânea. Pensadores, como Bonnie Honig, Wendy Brown, Dana Villa, William Connolly e Mark Warren entre outros estudiosos mais específicos de Nietzsche como Lawrence Hatab, Alan Schrift e David Owen têm aproveitado a pretensa descentralização do ser humano de Nietzsche como um meio de revitalizar a democracia (Americana) em bases radicais e pós-modernas que se afaste da ideia de uma democracia muito aferrada em suas mentes a uma visão religiosa e naturalista dos homens agora considerada obsoleta. Muito dessa literatura tem sido articulada através do tema da democracia ‘agonística’ e encontra como que um ponto de partida nos escritos não publicados da juventude de Nietzsche sobre o agon, especialmente no ensaio ‘Disputa caseira’ (I872, KSA I 786). Nesse sentido, Nietzsche é frequentemente comparado a Weber, Schmitt e Arendt entre outros – esta ultima apresentada enquanto o ponto final de uma estória progressiva com a qual os outros não parecem estar imediatamente de acordo. Para esse grupo, os diferentes modos de pensar de Nietzsche podem ser congeniais à democracia, incluindo ideia de ‘respeito agonístico’ de Connoly, o conceito de ‘deliberação agonística’ de Owen e a perspectiva de enobrecer a democracia; o ‘sistema contraditório’ de Hatab ou mesmo a ‘esfera pública robusta’ de Arendt que também é ligada a ideia de agon de Nietzsche.
Contra essa perspectiva outros autores como Bruce Detwiler, Peter Berkowitz, Peter Bergmann, Frederick Appel e Don Dombowsky têm enfatizado as predisposições aristocráticas de Nietzsche. É importante notar que a maior parte destes autores – penso que Hatab esta sozinho quando defende que Nietzsche deveria ter sido um democrata – estão de acordo quanto a natureza aristocrática e a fundamentação hierárquica ou escravocrata do pensamento político de Nietzsche, a questão sempre foi se dando no sentido de compreender se o pensamento político de Nietzsche poderia ser utilizado em propostas democráticas ou ao menos de que maneira isso poderia se dar. Rejeitando a aproximação do primeiro grupo, este ultimo tem se interessado mais em retratar Nietzsche como o maior antidemocrata de nosso tempo, cuja principal função é servir como o principal oponente dos novos teóricos da democracia e contra quem devem confrontar suas ideias. O sinal que denuncia essa aproximação esta na apresentação de Nietzsche enquanto um provocador emersoniano, ou novamente, na tentativa de liga-lo a pensadores mais liberais como J. S. Mill e por vezes Tocqueville (Na França Nietzsche é frequentemente retratado como um ‘Tocquevillien enragé’). O objetivo aqui é isolar a crítica à democracia de Nietzsche de outros pronunciamentos mais positivos a respeito do que pode ser feito com a democracia – pronunciamentos estes que serão temas desse artigo. Nesse sentido a crítica de Nietzsche à democracia enquanto ‘moral de rebanho’ é associada a ‘tirania da maioria’ de Mill ou Tocqueville.
Ambas as escolas de interpretação são assim culpadas por quererem domesticar o pensamento de Nietzsche. Os ‘agonístas’ por simplesmente selecionarem e escolherem elementos do pensamento de Nietzsche que se encaixam ao seu projeto sem engajarem-se seriamente com suas perspectivas fundamentalmente aristocráticas têm transformado Nietzsche em um indesejado apoiador de suas causas. Em sentido oposto os anti-democratas por apartarem a crítica de Nietzsche à democracia de sua visão mais ampla, têm dado a Nietzsche refugio na democracia liberal por alinharem-no a uma crítica da democracia menos comprometedora assim como Mill e Tocqueville que já tinham sido domados pela teoria democrática contemporânea. Nesse sentido entende-se que enquanto Mill e Tocqueville são reconhecidos por terem oferecido uma crítica à democracia mais exotérica que visava melhorar as políticas democratas em seu interior, em sua própria estrutura, Nietzsche pode ser mais bem compreendido como aquele que oferece uma crítica esotérica à democracia não tendo nenhuma ligação particular com a sua preservação. De fato se na descrição da irresistível democratização europeia, em O Andarilho e sua Sombra ouve-se um eco do ‘fato providencial’ da Democracia de Toqueville, o objetivo deste ultimo era reconciliar o que separou enquanto virtudes do sistema aristocrático no interior do sistema democrático; para Nietzsche a relação que mantinham um com o outro foi pensada de maneira muito mais externa. Nietzsche então não deve ser somente entendido enquanto um crítico da democracia, como essa linha de interpretação sugere, mas suas teorias sobre o futuro desenvolvimento da democracia devem também ser levadas a sério.
De diversas maneiras esse debate representa dois lados de uma mesma moeda. Ambos os grupos tomam a democracia como a entendemos, como seus pontos de partida e então tentam descobrir o que Nietzsche tem a dizer a respeito disso, tanto positivamente no sentido de oferecer recursos que estimulem a reflexão sobre a refundamentação da legitimidade democrática, ou negativamente, como alguém que oferece a mais incisiva crítica da democracia a qual os teóricos desse sistema devem empenhar-se em refutar. O objetivo desse artigo é se afastar dessa dicotomia não com o objetivo de refuta-la, mas em vez disso examinar quais os usos que podem ser feito de Nietzsche na teoria democrática contemporânea visando responder a pergunta acerca do que Nietzsche ele próprio, entendera por democracia durante seu tempo e a partir desse ponto, tentar pensar sobre como sua perspectiva pode ajudar a melhor conceitualizar e compreender a democracia hoje. Podem-se postular dois momentos de um trabalho interpretativo – primeiramente histórico e então contemporâneo – ao invés de imediatamente perguntar sobre a relevância atual de Nietzsche. Isso leva ao cerne do problema e da desavença metodológica que possuo com grande parte da literatura secundaria a respeito de Nietzsche em geral e com esse debate em particular: ao invés de ir ao encontro de Nietzsche com categorias predeterminadas para cometer um anacronismo, devemos iniciar com o Nietzsche histórico, para ver como ele pensa sobre o assunto em caso e o que ele tem a dizer a respeito, antes de tirarmos conclusões (se alguma), sobre como isso se relaciona com nosso mundo passado mais de um século.
Temos um duplo objetivo: de um lado mostrar que um engajamento mais detalhado em relação aos escritos sobre a democracia de Nietzsche, pode facilitar a superar a oposição entre a chamada ‘frágil’ (proto democrática) e a ‘sangrenta’ (política de dominação) de Nietzsche, como também compreender melhor o papel que tanto a democracia, quanto a aristocracia tem na sua visão sobre o futuro da Europa. Para realizar tal feito, este capitulo ira prestar particular atenção aos contextos político, intelectual e cultural dentro dos quais o pensamento de Nietzsche evoluiu, a saber, a relação de Bismarck com o novo germanismo do Reichstag, a descoberta por parte da filologia, de uma raça ariana original, e o contato de Nietzsche com o pensamento racista de Gobineau em função de sua participação do circulo pessoal de Wagner. Isto irá evidenciar como Nietzsche pode ser um guia astuto para compreender a política de nosso tempo. De outro modo desejamos sustentar que a tardia contribuição de Nietzsche para o pensamento democrático não pode ser encontrada nos modos distintos em que ele pode ou não ser utilizado para fundamentar certas posições ideológicas contemporâneas, mas sim ilustrar como sua noção de ‘moral de rebanho’, ‘misarchismo´, assim como o ‘método genealógico’ unidos a sua crítica ao majoritarianismo, fornecem ferramentas conceituais para entender melhor o mundo político que se vive hoje. Não desejamos sugerir que explorar o pensamento de Nietzsche a respeito da política democrática não renda resultados estimulantes, muito pelo contrario; ou que a natureza do pensamento hierárquico de Nietzsche seja algo que não precisa ser reenfatizado, algo que também desejo fazer – explorar não é enquanto tal, um empreendimento puramente crítico – desejo sugerir que o rico legado que Nietzsche fornece para pensar a democracia, é precisamente o conjunto de ferramentas intelectuais que elaborou para si mesmo no sentido de compreender a democracia como ele a experienciou; ferramentas essas necessárias ainda hoje.
2. Democracia no Kaiserreich
A ascensão do pensamento político de Nietzsche coincidiu com o nascimento do Império Germânico, o Kaiserreich. Sua vida produtiva abrangeu a gradual democratização da Alemanha a qual se manteve próximo e com interesse crítico. Apesar de sua postura intempestiva Nietzsche manteve-se próximo da política admitindo já mais velho, ter sido um ávido leitor do Journal de Débats que o informava a respeito do parlamentarismo francês, junto com o Journal de Goncourt e a Revue dês deux Mondes.
Alias, por três anos Nietzsche desejou ter participado diretamente na eleição democrática: em I867 a primeira eleição livre foi organizada na Alemanha setentrional, mas a idade limite era de 25 anos; Nietzsche estava então com 22. Contudo existem diversas razões para acreditar que se ele pudesse ele teria votado e ele acompanhou as eleições avidamente com seus amigos.
A eleição geral seguinte foi realizada após a unificação, em 3 de Março de I871, mas durante esse período Nietzsche já se encontrava em Basileia e já havia renunciado a cidadania alemã. Ali se familiarizou com a democracia Suíça a qual ele recomendou por sua tolerância e a qual por fim muito criticou. Jacob Burckhardt entrou em sua orbita intelectual também por esse tempo e que havia experienciado os movimentos revolucionários em primeira mão, serviu como influencia bastante reacionária na perspectiva democrática de Nietzsche. De fato em Setembro de I869, quatro meses após Nietzsche ter feito suas preleções inaugurais, a Primeira Internacional realizou seu quarto congresso em Basiléia. Um de seus correspondentes foi Mikhail Bakunin.
O entendimento de que Nietzsche não teria experiência com a democracia, e que se tivesse tido, provavelmente teria sido simpático a ela, deve ser admitido com reservas consideráveis. Certamente o caso da democracia alemã do século XIX fora muito diferente da democracia como a conhecemos hoje, mas retornando a esse contexto histórico, o sufrágio alemão fora na verdade um dos mais abrangentes do período: Margaret Anderson, preeminente pesquisadora desse período, descreve a Alemanha durante essa época enquanto o ‘regime do sufrágio’. Assim Nietzsche teve experiência com as praticas democráticas – e certamente uma das mais completas que alguém poderia ter naquele tempo – contudo essa experiência é ligeiramente distante do que conhecemos hoje. Mas estar presente no ‘nascimento’ da ascensão democrática na Alemanha faz de Nietzsche uma testemunha privilegiada da ‘transição geral para a democracia’ que estava tomando lugar na Europa na ultima parte do século XIX. Seu comentário é especialmente valioso, pois ele estava presente no contexto histórico de tal desenvolvimento. Além disso, o mundo em que habitou continha uma diversidade de sistemas políticos muito maior, o que permitiu a ele comparar e contrastar experiências de vida – podemos pensar em suas viagens a Suíça, Itália e França. Por fim, ele não sofreu de uma inclinação retrospectiva nem pensava haver um caminho predeterminado para a democracia, o que denota que seu horizonte político tenha permanecido nítido.
Nietzsche parece ter uma apurada compreensão do que significava (ou não) a democracia de seu tempo. Em O Andarilho e sua Sombra 293 – para retornar para nosso aforismo de abertura e ao período que identificamos como aquele em que Nietzsche engajou-se no assunto – Nietzsche conclui a passagem em questão com a orientação: ‘aquilo que agora se chama de democracia se difere das velhas formas de governo unicamente na medida em que é movimentada por novos cavalos: as ruas são as mesmas velhas ruas e os mecanismos são do mesmo modo, os mesmos velhos mecanismos. A ideia subjacente é que embora tenha havido uma nova instituição política – o Reichstag (os novos cavalos) – as políticas pouco mudaram no novo Reich: Bismark e os Junkers permaneceram governando (mesmos antigos mecanismos de poder) por de trás da fachada parlamentarista e continuaram a implementar sua realpolitik nacionalista (mesmas políticas públicas). ‘As coisas realmente se tornaram menos perigosas diante dos veículos que promovem agora bem estar das nações? Nietzsche se pergunta, questionando a superioridade hipotética e a natureza pacifica do novo regime.
Além disso, Nietzsche estava apto a desenvolver uma crítica da democracia de seu tempo a qual se transformaria em na crítica mais importante dos modernos regimes democráticos. Ele estava por sinal bastante atento aos perigos do governo da maioria. Em ‘O direito do sufrágio universal’ ele explica que ‘a lei que decreta que a maioria deve ter a voz decisiva em determinar o bem estar de todos não pode ser erguida sobre bases que são primeiramente fornecidas pela lei ela mesma’(WS 276, KSA 2 673). Para garantir sua fundamentação é requerido em primeiro lugar o consentimento unanime de todos: ‘o sufrágio universal pode não ser uma expressão simples do desejo majoritário, todo o país deve desejar isso’. Como dificilmente se consegue alcançar dois terços dos que tem direito a votar e talvez nem mesmo a maior parte deles se dirige à urna, vota-se assim contra todo o sistema do sufrágio. A democracia nunca esta fundada definitivamente e a contínua não participação implica em uma rejeição do regime como um todo: ‘a não participação em uma eleição constitui precisamente tal objeção e assim provoca a decadência de todo o sistema de voto’. Como uma minoria significativa não participa no sistema de voto então o sistema nunca tem sucesso em ordenar as fundações das quais necessita, e desse modo simplesmente assenta-se na pouco democrática lei da maioria.
Mais cedo em ‘Permissão para falar’ de Humano, Demasiado Humano (1878), Nietzsche defendeu o direito de secessão das minorias. Concordando ele próprio – dando continuidade ao modelo ‘realista’ de seu segundo período – com a ideia de democracia enquanto ‘abrigo para o momento em que os abalos sísmicos tiverem desfeito os laços tradicionais, os contornos do solo e alterado o valor de propriedade privada’, Nietzsche aceita que, se a maioria quer governar-se com suas ‘cinco ou seis ideias por meio da auto-determinação’ então que assim seja; mas no mesmo sentido a esses poucos que querem abster-se da política, deve ser permitido que se coloquem um pouco a parte. (HH 438, KSA 2 286). Tomando em conjunto sua exposição sobre a falha da democracia em fundamentar-se em um consentimento geral, Nietzsche pontua uma das maiores críticas ao ideal de soberania popular – sua aplicação as minorias que são ou subsumidas a uma ampla maioria que pode negar seus interesses e valores (como abaixo) ou então deve ser permitido, nas mesmas bases da auto-determinação, a constituição de comunidades menores e distintas soberanas.
3. Democracia e Aristocracia
Em O Andarillho e sua Sombra 293, para retornar ao aforismo inicial, Nietzsche explica – alertando então para aqueles que desejam ver nele uma disposição positiva acerca da democracia – que a lógica da independência democrática diz que ‘é preciso tirar o direito de voto tanto daqueles que não possuem propriedade como aos genuinamente ricos uma vez que eles continuam a questionar sua incumbência’. Congruentemente ‘isso deve prevenir de tudo que pareça ter relação entre objetivos particulares e a organização de partidos. Três são grandes inimigos da independência os indigentes, os ricos e os partidos. Os pobres são dependentes de terceiros e assim podem ser mais facilmente influenciados, os ricos são simplesmente poderosos e os partidos políticos sufocam o pensamento individual em nome da linha partidária. Enquanto Nietzsche qualifica tais colocações com a declaração que ele esta falando da democracia como ‘algo que ainda esta por vir’ - o que pode ser reproduzido nas mãos da agenda democrática pós-moderna – se coloca de modo inauspicioso para a compreensão moderna da democracia baseada na igualdade política universal mediada por partidos políticos.
O que os autores que se interessam por essa passagem estão certos em sublinhar é que esse período representa uma das primeiras tentativas da luta teórica entre Nietzsche e a maré crescente da democracia na Europa. Ainda não esta claro se esses problemas de analise saem em defesa da democracia. Certamente, no aforismo com o qual inicia suas reflexões sobre a democracia em O Andarilho e Sua Sombra, ‘A Era da Construção Ciclópica’, Nietzsche a concebe tardiamente e em ultima instancia, como um meio para uma nova forma de aristocracia: ‘a democratização da Europa é irresistível: é o elo na cadeia dessas tremendas medidas profiláticas [...] apenas agora é a era das construções ciclópicas (WS 275, KSA 2 671). Continuando a adotar seu ponto de vista mais neutro, Nietzsche nessa passagem também mostra seu realismo, explicando que ‘a democratização da Europa é irresistível: quem quer que tente interrompe-la terá de empregar nesse esforço precisamente os meios com os quais a ideia democrática primeiramente foi colocada’. Os meios em questão aqui são aqueles que Nietzsche associou com os objetivos da democracia e que ele identificou na sessão citada, a saber aqueles relacionados a ideia de independência. Aos olhos de Nietzsche, a lógica da democracia em criar e garantir o máximo de independência possível tem como objetivo prover – involuntariamente, portanto – os fundamentos sobre os quais a nova aristocracia irá se estabelecer. Alem disso, o único modo de se opor a democratização é criar barreiras para permanecer independente dela – barreiras as quais a própria democracia esta criando em primeiro lugar – acelerando o processo ainda mais.
Nietzsche expressa ansiedade em relação àqueles que se engajam nesse trabalho democrático de construir barragens e muros de pedra: eles parecem ‘um pouco míopes e estúpidos’ aqui há algo ‘desolado e monótono em seus rostos, e poeira cinza parece ter entrado em seu cérebro’. Mas a posteridade irá julga-los calorosamente, assim como agradecer por seus esforços em construir ‘barreiras de pedra’ e ‘muros protetivos’ que garantam a independência para que os ‘pomares da cultura’ não sejam destruídos de um dia para o outro pelo ‘senso selvagem dos bárbaros e por torrentes de pragas’. São esses que estabelecem as fundações para o ‘maior artista em horticultura, que pode aplicar-se a sua verdadeira tarefa apenas quando a outra esta completamente realizada!’. Por conta do tempo que repousa entre ‘meios e fins’, aqueles que construírem os muros e grades pensam que eles mesmos são os fins, mas isso é por que ‘ninguém ainda viu o jardineiro ou as arvores frutíferas para os quais as grades existem.
A visão de democracia que Nietzsche propõe em O Andarilho e sua Sombra – na qual a democracia oferece os tijolos para o surgimento de uma nova aristocracia, ‘o maior artista em horticultura’ do futuro – é impressionantemente similar aquela encontrada em Alem de bem e mal 242 (KSA 5 182), onde Nietzsche explica que o que ele esta ‘tentando dizer é: que a democratização da Europa é ao mesmo tempo um exercício involuntário da linha das tiranias – compreendendo essa palavra em todos os sentido, incluindo o mais espiritual. Ao mesmo tempo em que a lógica dessas passagens é diferente – embora se complementem como desejo argumentar – a conclusão de que Nietzsche esboça acerca de seu estudo sobre a democracia em ambos esses períodos é consideravelmente congruente: essa é uma etapa na direção de uma nova forma de aristocracia. Isso incentiva a ideia de uma natureza excepcional no período intermediário de Nietzsche, a qual tornar mais viável uma leitura democrática positiva, e, consequentemente, e a noção de que não existem fortes continuidades na reflexão política de Nietzsche, nesse caso quando se trata de democracia.
4. Misarquismo, Cristianismo e moral de rebanho.
Alem do bem e do mal (1886), junto com seu ‘anexo’, Genealogia da Moral (1887) e o livro V de Gaia Ciência (1887) escrito também por volta desse mesmo tempo, representam o segundo maior momento da disputa de Nietzsche com a Democracia após O Andarilho e sua Sombra, com o qual mantém fortes conexões como acabamos de ver. Durante esse período Nietzsche faz três de suas mais famosas afirmações a respeito da democracia: que o ‘ movimento democrático é herdeiro do cristianismo’ o qual é ligado a ‘moral de rebanho’ (BGE 202, KSA 5 124); que essa é uma forma de ‘misarquismo’, a mentalidade democrática que se opõe a todas as formas de autoridade (GM II 12, KSA 5 315); e que isso representa uma forma de degeneração política e psicológica. (BGE 203, KSA 5 126). Para esses agora nos dirigimos.
Em Alem do bem e do mal Nietzsche declara: ‘a moralidade na Europa atualmente é a moralidade de rebanho’. Mais tarde em seu texto Nietzsche ira explicar que existem dois tipos de moral, a ‘moral do senhor’ e a ‘moral do escravo’, correspondendo a uma visão de mundo diferenciada tanto pelas ideias de ‘bem e mal’ quanto ‘bom e mau’ as quais ele explora de maneira mais sistemática no primeiro ensaio de ‘genealogia’. Lá ele explica que essa moralidade dos escravos, operou uma ‘Revaloração de todos os valores’ e a qual veio governar toda a Europa. É o Cristianismo que leva a moralidade de rebanho para a política: ‘essa moralidade esta crescendo aparentemente mesmo nas instituições sociais e políticas: o movimento democrático é o sucessor do Cristianismo’ (BGE 202, KSA 5 124).
O problema não é a moralidade de rebanho em si, mas a crença de que ela é a única e que deve ser imposta a todos. A moral de rebanho ‘teimosa e impiedosamente’ declara “eu sou a moralidade ela mesma e nada mais é moral!”. No prefacio de Para Alem do Bem e do Mal Nietzsche descreve o dogmatismo como um dos mais ‘terríveis, o mais prolongado e o mais perigoso dos erros que a filosofia fez (BGE P, KSA 5 1). Isso é evidente na pretensão dogmática da moralidade de rebanho em ser é a única moralidade possível e assim impor sua perspectiva sobre o resto da população. Mais especificamente, Nietzsche associa esse dogmatismo com o bem em si mesmo de Platão, mas diferente da moderna moralidade de rebanho, Platão acreditava que essas formas puras eram acessíveis somente a poucos iniciados. O que fez os europeus modernos acreditarem que agora sabem a resposta para a questão de Sócrates, ou seja, o quão bom ou ruim é’ é o cristianismo (BGE 202, KSA 5 124), que democratizou os ensinamentos de Platão: Cristianismo é Platonismo para o “povo” (BGE P, KSA 5 1).
Contra isso, Nietzsche escreve que ‘como nós entendemos as coisas’, a moralidade de rebanho é ‘apenas um tipo de moralidade humana ao lado da qual, anteriormente e posteriormente muitas outras (e especialmente mais elevadas) moralidades são ou devem ser possíveis’ (BGE 202, KSA 5 124). Mas a moralidade de rebanho luta com ‘unhas e dentes’ contra tal possibilidade. Já em Humano Demasiado Humano Nietzsche explicou não ter objeções àqueles que pertencem ao rebanho com suas ‘cinco ou seis’ ideias, que desejam ‘forjar para eles mesmos suas próprias fortunas e infortunas’, no entanto alerta que eles devem estar preparados para suportar as ‘consequências calamitosas de sua estreiteza espiritual’. (HH 438, KSA 2 286). O problema é que, acreditando eles serem os que estão certos, desejam impor suas ideias decidindo sobre todas as outras enquanto Nietzsche demanda que seja permitido àqueles que não compartilham desses ideais ‘afastarem-se um pouco’. Nietzsche deseja então um espaço interior no qual aqueles que desejam perseguir sua vocação cultural possam a realizar de acordo com a moral que beneficie cada situação, ao qual a moral de rebanho que alega ser o único tipo, violentamente opõe-se .
Em Genealogia da Moral Nietzsche cunha o termo ‘Misarquismo’ para descrever a democracia, ‘para cunhar uma palavra para uma coisa má’ como ele coloca em (GM II, 12, KSA 5 315). Misarquismo é a idiossincrasia democrática do ser contra tudo o que domina e quer dominar. A mentalidade democrática é contra todos os tipos de autoridade. Isso nos remete a como a moralidade de rebanho ascendeu ao poder pela primeira vez – a ‘revolta escrava na moralidade’ (GM II 7, KSA 5 305) – a qual surgiu opondo-se às instituições da moral do senhor. E de fato ‘a moralidade do escravo, de inicio diz não para aquilo que esta do lado de fora’ “ao outro” ao “não idêntico” (GM I 10, KSA 5 271).
Há uma forte conexão aqui com a questão da independência que Nietzsche identificou como uma das marcas registradas da democracia em Humano Demasiado Humano e que visou promover a ‘independência de opinião, de estilo de vida, de ocupação’. Em termos de misarquismo esta é a mentalidade democrática que recusa qualquer tipo de autoridade intelectual que seja mais proeminente e consequentemente mais desejável para estar apto a formar a opinião própria de alguém. Mas o elemento da independência de estilos de vida e trabalho também salta aos olhos. No passado o homem sentia-se predestinado a sua linha de trabalho, e isso levou ao estabelecimento de uma pirâmide social de base ampla formada por ‘Estados, guildas medievais e privilégios comerciais não legítimos. Nas sociedades democráticas, contudo, onde as pessoas desaprenderam essa fé, ‘o individuo está convencido que ele pode fazer qualquer coisa e que é apto a atuar em qualquer papel’ (GS 356, KSA 3 595). Isso significa que qualquer um sente como se pudesse exercer certas profissões – especialmente aquelas relacionadas à cultura e a educação – que não estavam abertas antes, e as quais Nietzsche não crê que estejam. Considerando mais profundamente, Nietzsche conclui ‘o papel tem atualmente tornado-se o caráter e artificialmente, a natureza’: os homens da atualidade acabam por tornar-se o próprio papel que eles deram a si próprios.
A predominância do ator cobra o preço dos ‘grandes’ “arquitetos”, daqueles que têm a ‘força para construir’, ‘coragem para fazer planos de longo alcance, que ousam empreender trabalhos que requeiram ‘milênios para serem completos’ (GS 356, KSA 3 595). A natureza camaleônica do homem moderno simboliza que
O que esta morrendo é essa fé fundamental na base da qual alguém pode calcular, prometer, antecipar o futuro em um plano de grande escala ...a fé básica que o homem tem valor e sente apenas na medida em que ele é uma pedra em um grande edifício; para esse fim ele deve ser forte sobre todos, uma pedra ...sobre todos não um ator!
‘De agora em diante o que não mais se constituirá, nunca mais se constituirá’, conclui Nietzsche ‘é – a sociedade no velho sentido do termo’. ‘Para desenvolver esta, tudo esta faltando principalmente o material’.
Essa passagem como um todo tem dado origem a muito debate. Por um lado existem aqueles que submetem essa sessão com um exemplo de como Nietzsche não possui uma visão política positiva (o que impossibilita a construção de uma nova sociedade), e de outro, aqueles que oferecem as reflexões de Nietzsche sobre a figura democrática do ator como um exemplo de suas perspectivas pró-democraticas. Ambas as perspectivas são ao que parece, enganos. Nos termos dessa sessão, o que é mais importante enfatizar é que como se trata da sociedade numa perspectiva antiga – por exemplo, uma guilda medieval – esta não pode mais ser constituída. Mas atingindo aqueles que não veem um programa político positivo em Nietzsche, a democratização da Europa oferece a oportunidade de constituir a sociedade em um novo sentido da palavra, e essa sociedade, contrariando aqueles que querem interpretar Nietzsche enquanto um Proto-Democrata não será uma sociedade igualitarista como veremos agora.
5. Degeneração e o ‘Bom Europeismo’
Um forte tema no interior da discussão de Nietzsche com a Democracia é sua associação com a degeneração física. Em Alem do Bem e do Mal 203, Nietzsche explica que o ‘movimento democrático não é meramente uma forma rebaixada de organização política mas primordialmente uma forma de humanidade degradada (mais especificadamente enfraquecida), uma mediocrização e depreciação da humanidade em seus valores. A democracia encontra sua origem social e antropológica na ‘mistura democrática de classes e raças’ (BGE 224, KSA 5 160); a mistura entre o sangue do ‘senhor’ e do ‘escravo’ (BGE 261, KSA 5 212) ocorre através do intercasamento entre diferentes castas, e o resultante conflito entre os dois sistemas de valores – sem ter qualquer vantagem - é encarnado na prole resultando em indecisão geral e lentidão na população em geral.
Com isso, os diferentes padrões e valores foram transmitidos pela linhagem sanguínea para a próxima geração onde tudo esta em um estado de inquietação, desordem, duvida, experimentação. As melhores forças possuem efeitos inibitórios, as virtudes elas próprias não permitem às outras que se fortaleçam e cresçam, a ambos, corpo e alma falta um centro de equilíbrio e a certeza de um pendulum. (BGE 208, KSA 5 137)
‘o que é mais profundamente doentio e degenerado sobre tais híbridos é a vontade’ Nietzsche continua, ‘eles não tem mais qualquer senso de independência em tomar decisões, ou a audaciosa sensação de prazer em querer. A democracia é a manifestação política desse enfraquecimento.
Esse estudo etnográfico das origens da democracia toma uma direção presumivelmente repugnante em A Genealogia da Moral, quando Nietzsche equipara a moralidade do senhor à raça ariana conquistadora e a moral do escravo com a ‘ pele escura, especialmente o homem de pelagem escura’ (GM I 5, KSA 5 264). Enquanto em Alem do bem e do mal Nietzsche viu a democracia como emanada de um conflito irresoluto e nocivo entre a moral do senhor e do escravo, em Genealogia da Moral parece sugerir que isso não é somente a moral, mas também a vitória fisiológica dos escravos sobre os senhores. Aqui ele pergunta-se:
Para todos os propósitos e propostas a raça em caso, acabou por cima por reconquistar a vitoria na cor, na dimensão pequena da testa e talvez mesmo nos instintos intelectuais e sociais: quem pode dar qualquer garantia que a democracia moderna ...não é em essência um grande retorno – e que a conquista da raça dominante, aquela dos arianos não foi fisiologicamente solapada? (Ibid)
Se de nossa perspectiva isso promove uma leitura desconfortável, durante o período próprio de Nietzsche essa linguagem era lugar comum, e a teoria que ele expressa, aceitável do ponto de vista cientifico. Andreas Retzius classificou os europeus em duas categorias: ‘ dolichocephalico’, por exemplo, europeus nórdicos que foram destinados a ser loiros e de olhos azuis; e ‘brachycephalico’ por exemplo, homens do mediterrâneo de ‘cabeça redonda’ o qual Nietzsche esta se referindo aqui.
Os antigos descobriram que o Sânscrito estava relacionado com todas as línguas europeias, e isso deu origem ao mito de um Ur-Volk original que Schlegel usou para batizar os Arianos que emigraram da Índia e conquistaram a Europa em tempos pré-históricos – logo Nietzsche os vira enquanto uma raça conquistadora. Foram os filólogos que lideraram o caminho para a descoberta da ligação Indo-Europeia, e isso explica porque Nietzsche, ele próprio treinado enquanto filólogo assume uma perspectiva etimológica quando busca explicar as origens do ‘bem’ e do ‘mal’ na Genealogia (GM I 4, KSA 5 262), e também através dessa deduz que os Celtas eram loiros: ‘a palavra fin (por exemplo o nome Fin-Gal), designando a nobreza e a finalmente o bom, nobre e puro, originalmente referia-se ao homem de cabeça loira (GM I 5, KSA 5 264)
Nietzsche assim aceita a teoria sobre a raça ariana enquanto um fato histórico e constrói sua própria teoria da moralidade do senhor e do escravo em cima disso. De fato, Nietzsche parece estar mais interessado em delinear as diferentes moralidades do que os exatos atributos físicos por meio dos quais estas se manifestam: ele é mais interessado em valores do que em raça. Ele lista as “Nobrezas Romanas, Árabes, Germânicas, Japonesas, heróis homéricos, Vikings escandinavos’ como exemplos dessas ‘bestas louras de rapina’ (GM I 11, KSA 5 274), das quais apenas os árabes (bárbaros) – não poderiam ter enlourecido. Nesse sentido então a ‘besta loura’ é uma metáfora para um leão, o nobre rei da floresta, e as raças Arianas e Célticas somente aconteceram para serem as raças conquistadoras da Europa, mas que podem assumir outros atributos não arianos em outras circunstancias (Árabes, Japoneses). Ai estão portanto ambos os aspectos literal e metafórico para a descrição da besta loura de rapina de Nietzsche: historicamente os conquistadores europeus eram loiros (literalmente) Nietzsche então usa essa teoria e aplica-a para o resto do mundo (metaforicamente).
Uma das figuras chave no desenvolvimento dessas ideias é o auto-denominado Conde Arthur de Gobineau, que era um companheiro de Wagner quando Nietzsche frequentou seu circulo no fim dos 1860 e inicio do 1870. No caso, o sucessor de Gobineau, o inglês Houston Stewart Chamberlain, tornou-se o genro de Wagner, e sua Foundations of the Nineteenth Century, publicada em 1889 adicionou uma dimensão anti-semita ao pensamento de Gobineau que não prevaleceu na ultima fase. A teoria de Gobineau, expressada em On the Inequality of the Human Races, publicada entre 1853 e 1855, e somente traduzida na Alemanha uma década depois, atribuiu à aristocracia francesa uma linhagem puramente alemã – isso é, Franca e finalmente Ariana. A perspectiva na época era que quanto mais pura era a linhagem mais próxima estaria das raças arianas conquistadoras e a todos os benefícios atrelados a isso: os Teutões, Góticos e Celtas foram pensados para serem os mais próximos. Mas Gobineau pensou que declínio e a eliminação da aristocracia francesa, foram provocadas através do cruzamento, induzido com fins de estabelecer um nivelamento plebeu e vira-lata, do qual a democracia é a expressão política. Para Gobineau pureza racial era a chave para toda a civilização e historia humana, tornando-o desesperadamente pessimista sobre as perspectivas da França e da Europa no futuro.
Muitas das teorias de Gobineau encontraram eco na perspectiva de Nietzsche sobre a democracia: ou seja, que ela é a manifestação política de um declínio na fisiologia humana, trazido através da miscigenação de diferentes classes. Mas desde já Nietzsche se distinguira ele mesmo colocando ênfase na moralidade, enquanto Gobineau sublinhava a raça. Certamente se Nietzsche parece frequentemente conceber o mundo em termos raciais, isso se da em termos habitualmente vagos e de maneira genérica, ao invés do sentido mais preciso que isso pode ter hoje: Nietzsche fala da raça ‘Francesa’ ou ‘Inglesa’ (ao invés de nação/povo) ou novamente uma raça de ‘senhor’ ou ‘escravo’ (ao invés de classe/casta). Isso é parte da linguagem usada pelas pessoas do tempo para expressarem-se: o que é importante de ver é o uso que Nietzsche faz disso. No final, Nietzsche não desejou cair na perspectiva de tendência pessimista e obscura de Gobineau. Ao contrario, ele desejou elaborar o exato oposto tão otimista quanto o escrito de Gobineau era pessimista, conclusão: que o nivelamento da Europa atual, deve levar a uma nova aristocracia europeia inter-racial.
Previamente em O Andarilho e sua Sombra vimos como para Nietzsche as instituições indutoras da independência democrática definem as fundações sobre as quais a nova democracia pode vir a ser. Em Alem do bem e do mal ele adiciona maior teor psicológico a esse desenvolvimento:
Por trás das fundamentações morais e políticas que são indicadas por formulas como “movimento democrático europeu”, um imenso processo fisiológico esta tomando lugar e constantemente cria raiz – o processo de aumento da similaridade entre europeus, seu crescente distanciamento das condições sob as quais o clima ou os laços de classe originaram-se, sua crescente independência desse determinado ambiente onde por séculos as mesmas demandas podem ser inscritas na alma e no corpo – e então a lenta perspectiva de um tipo de pessoa essencialmente nômade e supra-nacional que, psicologicamente falando, é tipificada por um grau máximo de sensibilidade para com a arte e máxima força de adaptação. (BGE 242, KSA 5 182)
O que Nietzsche esta falando aqui é que os Europeus estão mais propriamente tornando-se os ‘Bons europeus’ (BGE 241, KSA 5 180) que irão surgir através de uma união multinacional e irão tornar-se a nova nobreza europeia. Nietzsche certamente um tanto irônico fornece os motivos que posteriormente o leva a desenvolver e a encorajar ativamente a união entre Judeus e Junkers para ser a combinação de sua nova casta governante, explicando que esta poderia ser extremamente interessante para ver o gênio do dinheiro unido a paciência e ao intelecto (este ultimo especialmente perdido dentre os Junkers), no sentido de produzir o casamento entre a ‘arte hereditária de comandar e obedecer’ (BGE 251, KSA 5 192).
Podemos acrescentar que existem facetas institucionais econômicas e culturais nessa união europeia. Já na discussão sobre a democracia em O Andarilho e sua Sombra, especificamente no aforismo “A vitoria da democracia”, Nietzsche descreve que, quando o povo esta apto a ganhar poder através das grandes maiorias no parlamento eles atacam com progressão taxativa todo o dominante sistema capitalista de mercadores e financiadores e finalmente a classe media’ (WS 292, KSA 5 683). Então através do sufrágio universal e pelo Reichstag uma classe media será desenvolvida com base na taxação redistributiva. ‘O resultado prático dessa democratização crescente’, continua Nietzsche, será uma ‘liga europeia de nações’, onde cada nação individualmente delimitada por suas próprias fronteiras geográficas têm a posição de um cantão com direitos separados. Por conta da democrática ‘mania de inovação e experimentação’, que ecoa na discussão que tivemos acima, Nietzsche pensa que ‘a memória histórica das nações previamente existentes pouco será levada em conta’, e que a ‘correção das fronteiras’ será desenvolvida para servir ‘aos interesses dos grandes cantões e ao mesmo tempo de toda a federação’. Essas correções serão a tarefa dos futuros diplomatas, que não serão suportados por exércitos, mas pelas ‘intenções e ações’ daqueles que serão estudantes ‘da civilização, da agricultura e experts em comercio’.
Junto com esse movimento institucional rumo à unidade, Nietzsche, em suas anotações pelos tempos de Alem do bem e do Mal (1885) vê uma razão econômica para a Europeização. Lá ele explica que o que lhe preocupa e àquilo que ele via como se preparando divagar e hesitantemente, é uma União Europeia:
A necessidade de uma nova unidade advém de um grande fato econômico: os pequenos estados europeus. Refiro-me a todos os reinos e impérios do presente, que em breve espaço de tempo irão tornar-se economicamente insustentáveis devido a insana e incontrolável luta pela posse do comercio local e internacional. (o capital agora esta até mesmo compelindo as nações europeias a amalgamar-se em um único poder). (KSA 11 37 [9])
Finalmente, nos trabalhos de Napoleão, Goethe, Beethoven, Stendhal, Heinrich Heine, Schopenhauer e mesmo Wagner, Nietzsche discerne em Alem do Bem e do Mal a preparação para uma nova síntese cultural que ira fundamentar a Europa do futuro. ‘A Europa deseja ser una’ ele conclui (BGE 256, KSA 5 201).
Essas passagens jogam luz na sessão discutida isto é, que há um enfraquecimento geral que se manifesta através das garantias democráticas de miscigenação. Embora esse possa ser o caso em que, tal mistura resulte em um enfraquecimento geral da população, aqueles aptos a dominarem seus conflitos naturais, podem agora transformar-se em algo mais: ‘nascem então aqueles seres maravilhosamente incompreensíveis e inexplicáveis, homens enigmáticos, predestinados a conquistar e ultrapassar outros’, dos quais Nietzsche traz como exemplos Alcebíades, Cesar e aqueles que considerou como sendo os primeiros europeus, Friedrich II e Leonardo da Vinci (BGE 200 KSA 5 120). Esse é um movimento duplo – rumo ao enfraquecimento e a resistência – que da origem a dois tipos distintos que devemos compreender como a nova raça mestra europeia. Como Nietzsche coloca:
Os futuros europeus serão excessivamente tagarelas, impotentes e eminentemente trabalhadores empregáveis que irão sentir necessidade de mestres e comandantes como eles precisam de seu pão diário. A democratização da Europa significa de fato, a criação de um tipo preparado para a escravidão no sentido mais sutil: o homem forte irá precisar ser mais forte e rico do que ele sempre fora antes – graças à falta de preconceito em sua escolarização para uma enorme diversidade de praticas, artes e disfarces. O que estou tentando dizer é: a democratização da Europa é ao mesmo tempo um exercício involuntário das raças tirânicas – compreendendo isso em todo o sentido da palavra, incluindo a mais espiritual’. (BGE 242 KSA 5 182)
6. Conclusão
Bernard Crick tem oferecido três perspectivas distintas sobre a democracia: democracia como principio ou doutrina governamental; democracia enquanto um conjunto de arranjos institucionais ou dispositivos constitucionais; e democracia enquanto um tipo de comportamento ao qual define proveitosamente como ‘a antítese tanto da deferência quanto da insociabilidade’. Em resumo: Nietzsche se opõe a democracia enquanto um principio ou doutrina de governo, ou seja, como o advento do poder da moralidade de rebanho. Mas ele é mais ambíguo quando se trata de costumes e comportamentos: ele se opõe ao ‘misarquismo’, à mentalidade democrática de ser contra todas as formas de autoridade, e vê degeneração psicológica por trás da crescente onda de democratização, mas ele também percebe nesse movimento os germes de uma nova nobreza europeia multirracial. Por fim, Nietzsche viu o aspecto institucional da democracia geralmente de um ponto de vista positivo, e enquanto baluarte em defesa da cultura forneceu por fim os princípios sob os quais essa nova aristocracia poderia tornar-se real.
Tenho anotado nesse artigo a posição privilegiada que Nietzsche ocupou devido a sua localização histórica enquanto comentador no surgimento da democracia na Alemanha e como ele foi rápido em identificar problemas com a democracia que se tornariam as bases da teoria política no século subsequente. Alem disso sua analise da democracia o leva diretamente a Practicing Democracy de Margaret Anderson, um dos estudos históricos centrais do período. A tese principal de Anderson é que através da própria democracia as pessoas tornaram-se gradualmente aptas a adquirir mais direitos e liberdades do que originariamente, quando estes eram vistos simplesmente como uma ratificação de poderes. A lógica partidária levou os cidadãos a obterem mais e mais direitos políticos – as cédulas secretas, as cabines de votação e assim por diante – e isso se harmoniza bem com a perspectiva de Nietzsche de que o objetivo da democracia é promover independência: independência de opinião, de modo de vida e formas de trabalho. De fato em ‘A vitoria da democracia’ aforismo de O andarilho e sua sombra Nietzsche explica seu desejo em combater o socialismo, e nota como os partidos políticos germânicos são forçados a apelar mais e mais às massas: ‘em longa corrida a democracia sozinha ganhou vantagem pelo fato de todos os partidos estarem agora competindo para bajular o povo e garantir facilidades e liberdades de todos os tipos, com o resultado que o povo finalmente tornou-se onipotente’ (WS 292, KSA 2 683). Parte do processo de reivindicação desses novos direitos desafiava as autoridades estabelecidas, e Anderson esta atento para o fato que ‘foi a natureza da franquia imperial que tornou toda competição um desafio contra a autoridade’ Ou, em outras palavras: misarquismo.
Quando Nietzsche conceitualiza a democracia enquanto moral de rebanho e a comparada com a perspectiva platônica de democracia enquanto a regra de A República, podemos ver como oferece uma conexão muito interessante entre as críticas antigas e modernas da democracia. Nesse sentido Nietzsche pode certamente ser entendido como um dos mais argutos comentadores da democracia que temos embora não possamos concebê-lo simplesmente como um oponente, como a leitura anti-democratica de Nietzsche tende fazer, é necessário também investigar aonde ele pensou que tal empreendimento poderia levar como tenho tentado fazer ao longo desse artigo. Ao lado de sua discussão sobre degeneração – embora como tenho argumentado ele transforma esta em uma questão de moralidade onde repousa sua inovação – a perspectiva de Nietzsche sobre o aumento da miscigenação entre Europeus, apoiada e mitigada pelos fatores culturais, intelectuais, institucionais e econômicos, parecem ter profetizado uma Europa unificada em termos do que temos enquanto Europa hoje.
Portanto por um lado Nietzsche serve como um bom guia para a democratização no fim do século XIX na Alemanha e na Europa, reconhecemos de que maneira elementos como – partidos políticos, voto secreto – podem ser vistos como elementos de nosso próprio sistema político. De outro lado ele permanece como um dos críticos mais agudos do nascimento da democracia que ele experienciou em primeira mão – os problemas do majoritariarismo e da legitimidade democrática se tornaram a base do debate democrático no século subsequente alem de conecta-lo com grande parte do pensamento anti-democratico desde Platão. Mas pensamos que sua principal contribuição ao pensamento democrático relaciona-se com as ferramentas conceituais que fornece para tentar entender a democracia através de sua noção de “moral de rebanho”, “misarchismo” e das ligações genealógicas que mantém com o cristianismo, que permanece nos provendo com poderosos prismas através dos quais se viabiliza a análise da democracia hoje. Por exemplo, o termo ‘misarquismo’, revela as fundamentos anti-autoritários da mentalidade democrática, e pode nos preparar para uma melhor compreensão da continua – e dessa perspectiva irreversível – erosão da confiança nas instituições públicas. Tal mentalidade é parte e parcela da própria democracia e ver isso possibilita uma melhor compreensão do que pode e não pode ser feito.
Nietzsche fora um tanto quanto criativo ao denunciar no século dezenove democracia e cristianismo enquanto um só – podemos facilmente pensar em exemplos de pensadores que rejeitam as pretensões absolutistas produzidas por um ou por outro. Enquanto havia alguns estudos sobre a relação do cristianismo com a democracia, nenhum, a meu conhecimento, aproximou-se desta a partir de uma perspectiva genealógica. Nietzsche esta aqui defendendo esta posição e tal aproximação deve indubitavelmente jogar uma luz em nosso sistema político contemporâneo. Certamente, para aqueles não cristãos, a forte ligação que Nietzsche estabelece entre democracia e cristianismo pode revelar-se um pouco inquietante, ou ao menos pode forçar a que se repense as bases de seu comprometimento com a democracia. Se Deus esta morto então a questão é se a democracia constitui-se em parte das “sombras de Deus” que Nietzsche decretou (GS 125, KSA 3 180): pois apesar de não mais acreditar-se em fundamentos religiosos, permanece-se aderido ao mesmo ponto de vista. Nós não somos mais cristãos, mas nós permanecemos vivendo de acordo com seus valores. Pode alguém ser democrata não sendo mais cristão? A descoberta da origem cristã se Nietzsche esta certo, convida a uma reflexão a respeito do compromisso para com a democracia? 43
A força da analise de Nietzsche estava em expor como a visão de mundo democrata esta em ultima instancia fundamentada em uma moralidade de rebanho: que as vidas secularizadas que temos vivido hoje têm suas raízes não somente no cristianismo, mas também na moralidade do escravo. E que a moral de rebanho continua captando algo fundamental sobre como devemos viver nossas vidas hoje: não mais apelamos para uma instancia transcendente para orientar nossas vidas, mas, na ausência de outro ponto de vista nos baseamos no comportamento das pessoas ao nosso redor. O que Nietzsche nos mostra é como esse reflexo foi o fundamento sob a qual o cristianismo enraizou-se em primeiro lugar, e como temos ainda – apesar de nosso ateísmo – que superar isso, que encontrar novos valores e viver nossas vidas para alem do bem e do mal. Devemos querer que nosso sistema político, e o modo como nos vivemos nossas vidas esteja enraizada na moral de rebanho? Esses são algumas das ideias e desafios que a crítica de Nietzsche nos oferece.
Agradecimentos
Eu gostaria de agradecer aos membros do Fórum Pós Doutoral em Pensamento Político e dois leitores anônimos pela útil discussão e comentários ao artigo.
Tradução Bruno Pereira Dutra – Mestrando no PPGFIL DA UFPEL
Portuguese to English: “SNI* was asking the for the goers list…” Michel Foucault in Belém on November’s 1976. General field: Art/Literary Detailed field: Philosophy
Source text - Portuguese
“O SNI estava pedindo a lista dos frequentadores...” Michel Foucault em Belém, em novembro de 1976.
Ernani Chaves
Professor Titular da Faculdade de Filosofia da UFPA.
A Daniel Defert e a Maria Sylvia Nunes.
Aquele que lê a “Cronologia” estabelecida nos Dits et écrits, de Michel Foucault, verá que ele visitou Belém do Pará, no norte do Brasil, duas vezes: em maio de 1973 e em novembro de 1976. Na primeira vez, como turista, logo depois das conferências “La verité et les formes juridiques”, proferidas na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, no final de maio de 1973. Antes de Belém, ele passara por Belo Horizonte e outras cidades de Minas Gerais antes de chegar a Amazônia, indo primeiro a Manaus. A segunda, cumprindo uma promessa feita a Benedito Nunes, catedrático de Filosofia na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém, em 1973, de que voltaria a Belém para fazer conferências. Foucault cumpriu sua promessa. Assim, quando em 1976, ele organizou sua viagem ao Brasil, sob a coordenação da Alliance Française do Brasil, pediu que Belém fosse incluída no roteiro. Desse modo, nos dias 6, 7 e 8 de novembro daquele ano, ele falou, em francês, para um público seleto, no Auditório do então Centro de Letras e Artes da UFPA. Benedito Nunes foi o mediador, durante o debate, as perguntas eram feitas em português e o Prof. Nunes servia como tradutor.
Naquela ocasião, com 19 anos, recém entrado na universidade, eu era o Monitor da disciplina “Introdução à Filosofia” e minha função era passar uma lista de presença, na qual cada ouvinte punha sua assinatura. Jamais pensei que, naquelas três noites, ouvindo Michel Foucault, meu destino acadêmico estava sendo selado. De suas palestras, só entendia três palavras: sexualité, verité e pouvoir. Não sabia ainda que essas três palavras funcionariam, na minha vida, como uma espécie de palavras “mágicas”, que muito em breve se tornariam “conceitos” de uma “filosofia”, a cujo estudo me dedico desde então.
Mas, essa segunda visita de Michel Foucault a Belém tem uma pré-história, fundamental de ser contada, para que compreendamos, antes de mais nada, porque Benedito Nunes convidou Foucault para, na sua próxima viagem, proferir conferências em nossa universidade. Nascido em Belém, em 21 de novembro de 1929, Benedito Nunes graduou-se em Direito em 1952. Pertenceu a uma geração de escritores e poetas, que foi responsável pela consolidação do movimento modernista em Belém. Ainda na década de 1950, começou a escrever para os suplementos literários dos grandes jornais do sul do Brasil, no Rio de Janeiro e São Paulo. Foi um dos fundadores da Faculdade de Filosofia do Pará, em 1954, ministrando as disciplinas História da Filosofia e Ética, até 1960. Em 1961, foi contratado pela Universidade Federal do Pará, que fora criada em 1957 e em 1966, tornou Professor Titular. Seus interesses filosóficos fundamentais foram, desde o começo, voltados para a Fenomenologia, tornando-se um estudioso autodidata de Husserl, Heidegger, Sartre e Merleau-Ponty, principalmente. Seus livros sobre Heidegger e seus estudos de crítica literária de grandes escritores brasileiros como Clarice Lispector, o tornaram conhecido no Brasil e no exterior. Como professor visitante e conferencista, esteve em Rennes, no Porto, em Austin, Vanderbilt, Berkeley e Stanford e em Montreal, no Canadá. Em 1960, durante sua primeira viagem à França, assistiu Merleau-Ponty no Collège de France e Paul Ricouer. Em 1992, Benedito Nunes aposentou-se. Em 27 de fevereiro de 2011, faleceu em Belém.
De uma forma muito especial e significativa, os caminhos de Foucault e Benedito Nunes se cruzaram antes de 1973, antes do primeiro encontro pessoal deles. Além de professor na Faculdade de Filosofia, Nunes era envolvido com o teatro desde o final da década de 1950, com sua esposa, Maria Sylvia, fundou o grupo de teatro amador Grupo Teatro Norte, responsável pela introdução do “modernismo” no teatro de Belém, encenando clássicos como Édipo Rei, mas também Biederman e os incendiários, de Marx Frisch, assim como o poema Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, um dos maiores poetas brasileiros. Nunes foi Coordenador da Escola de Teatro da UFPA entre 1962 e os começos de 1967, ou seja, já em plena ditadura militar brasileira.
Foi como diretor da Escola de Teatro que Nunes começou a sofrer, como ele mesmo conta em um texto datado de 3 de janeiro de 1967, “perseguições políticas”, que, inclusive, o estavam impedindo de sair do país, pois não estava conseguindo obter um passaporte. Além disso, ele estava sofrendo um processo militar. Certamente, “sair do país”, naquela época, era uma das opções dos intelectuais brasileiros para escapar da prisão e Benedito Nunes começou então a projetar viajar para a França, a fim de realizar em Paris, seu Doutoramento. Nesse mesmo texto do começo de 1967, ele se referiu àquela época como se ela estivesse sob o domínio do “espírito de gravidade” do Zaratustra, de Nietzsche. Da secção “De velhas e novas tábuas”, da terceira parte desse livro, ele anota a seguinte passagem: “considero como falsa toda verdade que não venha acompanhada de risos”. Uma época triste, de perseguições a todos os que eram considerados inimigos do regime e, em breve, de institucionalização da tortura, nada produz a não ser verdades falsas.
Após longa negociação, Benedito Nunes e Maria Sylvia chegam a Paris, em outubro de 1967, ele, com o intuito de escrever uma Tese de Doutoramento sobre o Modernismo brasileiro, no Instituto de Estudos Portugueses e Brasileiros da Sorbonne, sob a orientação de Leon Bourdon (1900-1994), especialista em temas portugueses e que havia sido diretor do Instituto Francês de Lisboa, entre 1928 e 1935. Ou seja, o casal Nunes chegou em Paris às portas do maio de 1968 e um pouco depois de outro acontecimento, que abalou a cena filosófica e intelectual francesa: um ano e meio antes desse outubro de 1967, em abril de 1966 mais exatamente, é publicado em Paris, Les mots et les choses. Em 10 de agosto de 1966, uma matéria no Le Nouvel Observateur dedicada a venda de livros no verão daquele ano, tem como título: “Foucault comme des petits pains”, se referindo ao sucesso inesperado do livro. Os três mil e quinhentos exemplares da edição de abril se esgotaram rapidamente; em junho, uma reimpressão de cinco mil, em julho mais três mil, em setembro, mais três mil e quinhentos, conforme registra Didier Eribon em sua biografia de Foucault. O sucesso continuou em 1967: quatro mil em março e mais cinco mil em novembro. Poderíamos imaginar a cena (trata-se apenas de imaginação): Benedito Nunes saindo para comprar “pãezinhos” e voltando com um exemplar de Les mots et les choses! Em resumo: Benedito Nunes chega a Paris não apenas às vésperas do maio de 1968, mas também em meio ao estrondoso sucesso do livro de Foucault e da onda estruturalista.
Em 1988, na “Apresentação” que escreveu ao meu livro Foucault e a psicanálise, Benedito Nunes referiu-se à “rara beleza verbal” de Les mots e les choses! Certamente, foi essa beleza que o atraiu, de início, para este livro, que ele leu com intensidade, tantas eram as marcas de leitura contidas no seu exemplar pessoal, que manuseei diversas vezes no segundo semestre de 1980, na biblioteca de sua casa, onde recebia seus alunos, em meio à preparação de meu projeto de Mestrado. Mas, mais que a beleza do estilo de Foucault, o que o atraiu mesmo foi certamente o fato de que a cada página ele reconhecia outro pensamento, o do filósofo que ele já havia escolhido como referência maior de sua perspectiva filosófica: Martin Heidegger. Benedito Nunes voltou ao Brasil em 1969, sem concluir sua tese de doutoramento, mas, ainda na temporada parisiense, ele escreveu um artigo “A arqueologia da arqueologia”, em que jogando Foucault contra ele mesmo, procurava mostrar que era preciso fazer uma “arqueologia” da perspectiva de Foucault, o que nos levaria, de todo modo, a Heidegger. Esse artigo foi publicado em quatro partes, entre outubro e novembro de 1968, no “Suplemento Literário” do jornal O Estado de São Paulo, para quem Benedito Nunes colaborava já há algum tempo. Esse artigo, pioneiro na recepção brasileira de Les mots et les choses, foi logo em seguida incluído na primeira edição de O dorso do tigre, um conjunto de ensaios de Benedito Nunes, publicado em 1969, pela Perspectiva, conceituada editora de São Paulo.
O dorso do tigre traz, no título e na epígrafe, as marcas da leitura de Les mots et les choses: “...não deveria ser lembrado que estamos presos ao dorso de um tigre?”, a epígrafe, retoma as mesmas palavras de Foucault ao final da secção IV, do capítulo IX do livro, interrogação que remete à consideração do homem, na “analítica da finitude”, como um “estranho duplo empírico-transcendental”. A presença de Kant no livro de Foucault não escapa a Benedito Nunes, que começa o artigo comparando o empreendimento de Foucault – o de fazer uma “arqueologia das ciências humanas” – com o de Kant na Crítica da razão pura, que teria feito uma “arqueologia das ciências da natureza”. Não é a ocasião, aqui, de fazer uma espécie de resumo da argumentação de Benedito Nunes, que parte da concepção foucaultiana de “positividade”, bem diferente entretanto da acepção kantiana e que se apresenta como contrária ao tipo de historiografia própria de uma história das ideias e que “repousa numa secreta sedimentação histórico-filosófica”, que ele vai “procurar identificar”. Ora, esse segredo, que a “arqueologia da arqueologia” pretende revelar, acabaria trazendo à luz a importância crucial do pensamento de Heidegger, cuja ontologia é considerada a “matriz geradora da arqueologia de Foucault”. Tal referência não se contrapõe àquela que ele fizera a Kant no começo do artigo. Muito pelo contrário, Benedito Nunes se refere ao fato de que o Kant de Foucault em Les mots et les choses era o Kant de Heidegger, relação absolutamente confirmada pelos estudos foucaultianos posteriores.
Podemos imaginar que o encontro de Benedito Nunes com Michel Foucault em junho de 1973, o fez lembrar dessa sua leitura de Les mots et les choses. De tal modo que, quando foi confirmada, alguns meses antes, a vinda de Foucault a Belém, já em 1976, Benedito Nunes reuniu o pequeno grupo de professores da Faculdade de Filosofia, para ministrar um pequeno curso introdutório à filosofia de Foucault. Mesmo já conhecendo os livros posteriores de Foucault, em especial Surveiller et punir, Benedito Nunes ministrou um curso exclusivamente sobre Les mots et les choses. Em 1976, dez anos depois de sua publicação e quando a filosofia de Foucault já havia tomado outras direções, para Benedito Nunes, Les mots et les choses ainda continuava sendo “o” livro de Foucault. Na entrevista que concedeu a mim e ao Prof. Marcio Benchimol de Barros, em 2004, mas publicada apenas em 2008, ele reitera sua admiração por esse livro. Quando perguntei a ele qual o legado de Foucault a posteridade, ele respondeu: “Les mots et les choses e o livro sobre o sexo”. Referindo-se a Les mots et les choses, dirá, destacando, mais uma vez, o que já havia mostrado no artigo de 1968: “É muito importante o fato de ele ter firmado uma noção de positividade, como marca de cada época, com seu regime de pensamento, que é ao mesmo tempo regime de linguagem. Isso me parece uma contribuição muito grande”.
Benedito Nunes cuidou pessoalmente da visita de Foucault, juntamente com o diretor da Aliance Française de Belém. Em depoimento à jornalista Adriana Klautau, alguns anos antes de sua morte, ele lembrará com alegria daqueles dias de convivência com Foucault:
“Estávamos no período do regime militar, quando ele veio proferir algumas conferências no Pará a convite meu. Foucault foi extraordinário. Eu fazia a intermediação e traduzia as perguntas das pessoas. Depois, levamos Foucault à praia do Maraú, perto de Belém. Eu tinha um terreno lá, não tinha nem casa, era só o terreno. Ele amou. Era um brilhante nadador. Um atleta. Disse que era a primeira vez que o levavam a uma praia assim no Brasil. Ele nadou muito lá. Depois, fomos em um bar muito vagabundinho, tomamos banho lá mesmo e almoçamos”.
Esse relato lhe agradava tanto, que ele já o havia contado alguns anos antes, na mesma entrevista comigo e o Prof. Benchimol, quando nos referimos às fotografias dele com Foucault na praia do Maraú, na Ilha de Mosqueiro, às proximidades de Belém:
“Ah, tem as fotografias, é verdade. O Foucault no Maraú. Nadador tremendo, ele se metia nas ondas. Era atlético. Fomos num bar muito vagabundo, naquele tempo não tinha nem casa no Maraú. Tomamos banho lá e depois fomos almoçar num barzinho na praia”.
Entretanto, a vinda de Foucault ao Brasil em 1976, um ano depois de ter interrompido seu curso na Universidade de São Paulo, ao se solidarizar com os estudantes daquela instituição, que estavam em greve para protestar contra a ditatura militar, representava para Foucault, um desafio. Como nos lembra Roberto Machado, no seu recente livro Impressões de Michel Foucault, logo após sua adesão à greve dos estudantes e sua presença no ato ecumênico realizado na Catedral de São Paulo, uma semana após a morte do jornalista Vladmir Herzog numa conhecida prisão paulista, onde prisioneiros políticos eram interrogados, torturados e, por vezes, mortos, foi expedida uma ordem de prisão contra Foucault, que não se realizou pelo temor da repercussão negativa nacional e internacional, que isso ocasionaria.
Mesmo não sabendo de todos esses detalhes, Benedito Nunes sabia muito bem que em nossa universidade havia agentes infiltrados, alunos que eram, na verdade, policiais dos órgãos de segurança. Penso que ele organizou uma lista de convidados para as palestras de Foucault, para evitar os “infiltrados”. Da mesma forma, combinou com Foucault que ele faria as conferências sem tradução e que só o debate seria traduzido. Todas essas medidas foram tomadas e devemos ao prestígio de Benedito Nunes, o fato de que elas foram cumpridas à risca. Não houve nenhuma interferência na organização das conferências, que ficaram inteiramente a cargo dele. No fundo, ele queria “blindar” Foucault, como dizemos hoje no Brasil, ele queria salvaguardá-lo ao máximo de qualquer problema político. Ele conhecia bem a radicalidade do pensamento de Foucault.
Sentado no fundo do pequeno auditório, depois de ter solicitado aos presentes a assinatura numa lista, acompanhei sem muito interesse as palestras do já grande filósofo. Meu conhecimento do francês não me permitia que eu entendesse muita coisa do que ele dizia. Mas, da sua figura, tenho uma lembrança ainda muito clara: sentado em cima da mesa, com as pernas cruzadas à maneira dos mestres “zen”, todo de branco, com sua camisa de mangas compridas e gola rolê, que conhecemos bastante hoje em diante, pois ele aparece com essa mesma camisa em muitas fotografias. Lembro de sua voz pausada, às vezes estridente e assumindo um tom entusiasmado. Quando, numa das noites, a televisão entrou na sala, para filmá-lo por alguns momentos, ele parou de falar e fez diversas poses diante da câmara, rindo. Na última noite, minha colega e monitora como eu, pediu a mim que solicitasse a Foucault um autógrafo na edição portuguesa de Les mots et les choses que ela possuía. Na saída do auditório, entreguei a ele o livro, no qual escreveu um “Amicalement, Michel Foucault”.
Tudo parecia bem, mas dois acontecimentos modificaram a ordem das coisas: na última noite, foi oferecido a Foucault um jantar no restaurante mais “chich” da cidade. Minha amiga, a mesma que solicitara o autógrafo de Foucault, tinha como tarefa gravar as conferências. Ela o fez num aparelho de gravação de sua propriedade e o deixou, junto com as fitas, em seu carro, estacionado às proximidades do restaurante. Um ladrão levou o gravador e as fitas, pensando, sem dúvida, que as fitas contivessem gravação de músicas. Assim, o registro das conferências de Foucault na minha universidade foi perdido para sempre. Além disso, no dia seguinte às entrevistas de Foucault, os temores não revelados de Benedito Nunes se tornaram realidade: o temido SNI (Serviço Nacional de Informações) solicitou à universidade a lista dos presentes às conferências, a mesma lista que eu estava encarregado de passar entre os presentes. Benedito Nunes se recusou terminantemente a entrega-la. Ele sabia o que significaria para a vida das pessoas, que ele mesmo havia convidado, se a lista fosse parar nas mãos do SNI. Certa vez, perguntei-lhe pela lista, ele me disse que a havia destruído.
Como dizia Freud, o trauma é sempre “a posteriori”. Somente anos depois, quando comecei a escrever minha dissertação de mestrado sobre Foucault e a psicanálise e de ter descoberto um outro Foucault, tão diferente do de Les mots et les choses, a partir da publicação brasileira da Microfísica do poder, em 1979, o roubo das fitas das conferências de Foucault em Belém, pensava como uma sombra. Quando de minha primeira viagem à Europa, em 1988, recebi das mãos de Roberto Machado um pequeno pacote, que continha as fitas da gravação das conferências “La verité et les formes juridiques”. Em Paris, eu devia fazê-las chegar às mãos dos organizadores dos Dits et écrits, na época, na fase de recolhimento das entrevistas e cursos de Foucault ao redor do mundo. Nas ruas com pouca iluminação, às proximidades da Gare du Nord, rumo à residência da pessoa a quem deveria entregar pacote tão precioso, eu caminhava apressado e tenso. Era dezembro, fazia muito frio, as vitrines das lojas todas ornamentadas para o Natal e eu apertava o pacote junto a mim. Ele não poderia ser roubado. Confesso que foi com muito alívio quando, em 1994, vi publicadas nos Dits et écrits, essas conferências, só nesse momento dei por cumprida a minha missão.
Foucault falava muito bem de Belém. Na “Cronologia” dos Dits et écrits, podemos ler que, de Belém, “il garda une forte nostalgie”. O prazer que lhe causou a visita a Belém em 1976 também é referida por Roberto Machado em seu livro. Quando encontrei Daniel Defert, em Paris, no dia 01 de maio de 2015, ele me disse a mesma coisa e um dos momentos mais emocionantes de nossa conversa, foi quando lhe mostrei as fotos de Foucault em Belém.
Encontrei pessoalmente Benedito Nunes pela última vez, em dezembro de 2010, dois meses e meio antes de sua morte. Participamos de um mesmo evento sobre fotografia, num espaço cultural de Belém. Nossa relação pessoal durante mais de trinta anos, foi facilitada pelo fato de que morávamos próximos um do outro. Naquela noite, fui busca-lo e deixa-lo, de carro, na sua residência. Na volta, depois de sua palestra, da qual fui o mediador, falei para ele, com muito entusiasmo, que estava começando a escrever um novo livro sobre Foucault, sobre o cinismo, a partir do curso La courage de la verité. “Vai ser um livro lindo – disse-me ele – e eu quero ler”. “O senhor vai escrever o prefácio”, respondi-lhe. Já estávamos quase chegando à porta de sua casa. E assim, as últimas palavras que troquei com ele, foram, talvez não por acaso, sobre Foucault. Infelizmente, ele não pode mais ler o meu livro, Michel Foucault e a verdade cínica, publicado em 2013, que dediquei à sua memória.
Translation - English “SNI* was asking the for the goers list…” Michel Foucault in Belém on November’s 1976.
Ernani Chaves**
Full Professor of Philosophy at Federal University of Pará.
To Daniel Defert and Maria Sylvia Nunes.
The one who reads the “Cronology” stablished at Dits et écrits of Michel Foucault, will see that he visited Belém do Pará, in northern Brazil in two occasions: on May 1973 and on November 1976. At the first time, as tourist, just straight after “La verité et les forms juridiques” conferences pronounced at the Catholic University of Rio de Janeiro at the end of May of 1973. Before Belém, he has passed through Belo Horizonte and two other citys of Minas Gerais before arrive at Amazon, going first to Manaus. The second time, fulfilling the promise that he would be back for conferences maded to Benedito Nunes, cathedratic of Philosophy at Federal University of Pará (UFPA), in Belém, in 1973. Foucault fulfill his promise. So, when in 1976, he organized his trip to Brazil, under the coordination of Alliance Française of Brazil and asked that Belem were include on the tour. Thereby on 6, 7 and 8 of November of that year he spoked in French for a select audience at the auditorium of, at that time, the Nucleum of Arts and Languages of UFPA. Benedito Nunes was the moderator, during the debate, the questions were made in Portuguese and the Professor Nunes served as translator.
On that occasion, with 19 years, recently entered at university, i was the monitor of the discipline “Introduction to Philosophy” and my function were pass the presence list in which, each listener written his signature. I never had thought that, on that three nights listening Michel Foucault, my academic destiny was getting sealed. From his lectures, I only understood three words: sexualité, verité e pouvoir. I didn’t knew yet that these three words would work, in my life, as a kind of “magical” word, that just soon would became “concepts” of an “philosophy”, whose i study since then.
This second visit of Michel Foucault to Belém has a pre-history fundamental to be told so that we understand, first and firemost why Benedito Nunes invited Foucault, to, on the next trip, do lectures at our university. Born in Belém, in November 21, 1929, Benedito Nunes graduated in Law Faculty in 1952. He made part of a generation of writers and poets, who were responsables for the consolidation of modernist movement in Belém. Though in 1950, he start to write in some notebooks of literature for big journals of southern Brazil, Rio de Janeiro and Sao Paulo.
He was one of the founders of the Philosophy Faculty of Pará, in 1954, giving disciplins of History of Philophy and Ethics until 1960. In 1961, were contracted by Federal University of Pará, who was created in 1957 and in 1966, he turned to full professor. His fundamental philosophical interests were, from the first beginning, turned to Phenomenology, becaming an autodidatic of Husserl, Heidegger, Sartre e Merleau-Ponty, mainly. His books about Heidegger and his studies on literary criticism of great Brazilians writers like Clarice Lispector, have made him famous in Brazil and abroad. As visiting professor and lecturer he was in Rennes, Porto, Austin, Vanderbilt, Berkeley, Stanford and in Canada in Montreal. In 1960, during his first trip to France, watched Merleau-Ponty at the Collège de France and Paul Ricouer. In 1992, Benedito Nunes retired. In February, 27, 2011, died in Belém.
In a very special and significative way, the path of Foucault and Benedito Nunes crossed before 1973, before the first personal meet. Besides teaching at Faculty of Philosophy, Nunes was involved with theater since finals of 1950 decade, with his wife, Maria Sylvia, founded the amateur theater group called Grupo Teatro Norte, responsible for introduction of “modernism” in theaters of Belém, staging not only classics like King Oedipus, Biederman and the Arsonist from Marx Frisch but Brazilian masterpieces like the poem Morte e vida Severina, by Joao Cabral de Melo Neto, one of the greatest Brazilian poets. Nunes was director of the UFPA School’s of Theater between 1962 and the beginnings of 1967 that is to say in full military dictatorship.
Was in condiction of director of School of Theater that Nunes beggin to suffer, as he him self speak on an text from January, 3, 1967, “political persecutions”, that including, were preventing him from leaving the country because he wasn’t successful to ensur an passport. Besides, he was suffering a military judicial process. Certainly “get out of the country”, at that time, were one of the options for Brazilian intellectuals to avoid jail, and Benedito Nunes started then to project going to France to realize his PhD in Paris. At this same text from the begging of 1967, he stated about that epoch as they were under the domain of the “spirit of gravity” from Zaratustra of Nietzsche. From the section “About old and new bases” of the third part of that book, he notes the follow passage: “I consider as false all truth that isn’t accompanied by laughter.” A sad epoch of persecutions to anyone who was considered enemy of the regime and, soon, the epoch of the institutionalizing of torture, that nothing produces unless false truths.
After long negotiations, Benedito Nunes and Maria Sylvia arrives in Paris, in octuber of 1967, he, with the ends of write a doctorate thesys about the Brazilian modernism at the Portuguese and Brazilian Instituct of Studies of Sorbonne, under the orientation of Leon Bourdon (1900-1994), specialist on Portuguese themes and who had been director of the French Instituct of Lisbon between 1928 to 1935. That is to say the couple Nunes arrived in Paris at the doors of may’s 1968 and a little after other happening that shake intellectual and philosophical French scene: one year and a half before that October 1967, in april 1966 more exactly, is published in Paris, Les mots et les choses. In august 10, 1966, a newspaper report at Le Nouvel Observateur dedicated to selling of books at summer of that year, has as title: “Foucault comme des petits pains”, referring to the unexpected success of the book. The three thousand and five hundred copies of the April edition were sold out very quickly; in june, a reprint of five thousand, in july more three thousand, in September, more three thousand and a half, as reported Didier Eribon in his Foucault’s biography. The success continued in 1967: four thousand in march and more five thousand in November. We could imagine the scene (causa its only imagination): Benedito Nunes getting out to buy some breads returning with a copy of Les mots et les choses! In short: Benedito Nunes arrives at Paris not only on the eve of may 68, but too in the midst of the resounding success of foucault’s book and of the struturalist wave.
At 1988, on the “presentation” that we wrote about my book “Foucault and the Psychoanalysis”, Benedito Nunes reffered to the ‘rare verbal beauty’ of Les mots e les choses! Indeed, it was that beauty what attracted him, at the beginning, to this books that he have read with intensity, so many were the read marks on his personal exemplar, that I manipulated many times on the second semester of 1980, at the library of his home, where he received his students, in the midst of the making off my master project preparation. But more than the beauty of foucault’s style, what more attracted him was certainly the fact that in each page that he regonized another thought, from a philosopher that he been already chose as his major philosophical reference: Martin Heidegger. Benedito Nunes got back to Brasil in 1969, without conclude his doctoral thesys, but, already at the time of his season in paris, he wroted an article “ the archeology of archeology”, where putting Foucault against him self, were looking to show that was necessary do an “archeology” of foucault’s perspective, which would take us, anyway, to Heidegger. That article was published in four parts, between October and November of 1968, in the “Literaly Supplement” of O Estado de São Paulo Journal, which Benedito Nunes, has been collaborating for some time. These article, pioneer on the Brazilian reception of Les mots et les choses, was soon included at the first edition of “O dorso do tigre” (The Back of the Tiger), a set of essays from Benedito Nunes published in 1969 by the famous Perspectiva publishers.
The “Dorso do Tigre” bring, in their title and on the epigraph, some traces of lecture of Les mots et les choses: “didn’t should remember that we are stucked to the back of the tiger?”, the epigraph, retake the same words of Foucault at the end of section IV, of chapter IX of the book, interrogation that retake to the consideration of the man, in the “analytics of finitude”, as a “strange double empirical-transcendental”. The presence of Kant on Foucault’s book don’t scape from Benedito Nunes, which parts from the ‘foucaultians’ conception of ‘positivity’, very different nonetheless from the Kantians meaning and that present their self as contrary to the kind of historiography proper from a history of ideas and that “rest in a secret historic-philosophical sedimentation” that he will “look for”. Now, that secret, that the “archeology of archeology” pretends to reveal would eventually bringing to light the crucial importance of Heidegger’s thought, whose ontolohy is considered the “main generating of Foucault’s archeology”. Such reference don’t contradict those who he have made to Kant in the beginning of the article. Quite the opposite, Benedito Nunes refers to the fact that the Foucault’s Kant in Les mots et les choses was Heidegger’s Kant, relation absolutely confirmed by further foucaultians studies.
We can imagine that the encounter of Benedito Nunes with Michel Foucault in June of 1973, made him remember that lecture of Les mots et les choses. In such a way that, when was confirmed, some months before, the coming of Foucault to Belem, already in 1976, Benedito Nunes aggregated a small group of teachers from Philosophy Department, to give a small introductory course to Focault’s philosophy. Even knowing already the further Foucault’s books, especially Surveiller et punir, Benedito Nunes gave a cours exclusive about Les mots et les choses. In 1976, ten years after his publish and when Foucault’s philosophy already had taken other directions, to Benedito Nunes, Les mots et les choses still remained ‘the’ foucault’s book. On the interview conceded to me and to Professor Marcio Benchimol de Barros, in 2004, but published only in 2008, he reiterates his admiration for this book. When I asked to him what’s the Foucault’s legacy for posteriority, he replied: “Les mots et les choses and the book about sex”. Refeering to Les mots et les choses, he will say, highlighting, one more time, what he already had show in the article of 1968: “its very important the fact that he had firmed a notion of positivity, as a mark of each epoch, with his thought regim, that is at the same time language regime. This looks like a great contribution to me”.
Benedito Nunes managed personally the Foucault’s visit, together with the director of Belem’s Aliance Fraçaise. In testimony to journalist Adriana Klautau, some years before his death, he remembered with joy about that days of coexistence with Foucault:
We were at the military regim period, when he came to pronounce some conferences in Pará attending my envite. Foucault was extraordinary. I did the mediation and translated the questions of the people. After, we took Foucault to Maraú Beach, next to Belém. I had a terrain there, didn’t’ had even a house, was just the terrain. He loved. He was a brilliant swimmer. An athlete. He told that was the first time that someone took him to a beach like that in Brazil. He swim a lot there. Afterwards, we were in a very bum bar, we took a bath right there and we had a lunch.”
This report pleased him so much that he already told us some years before, at the same interview with me and Professor Benchimol, when we refeered about his photographies with Foucault at Maraú Beach, at the Mosqueiro Island, nearby Belem:
“Ow, has the photography’s, its true. Foucault at Maraú. Tremendous swimmer, he sanks into the waves. He was an athletic type. We went to a bar very sum, at that time even houses exists in Maraú. We took a shower there and then we went for a lunch in a bar next to the beach.”
Nevertheless, the Foucault’s coming to Brazil in 1976, one year after him showed solidarity with the students of that institution, that were on a strike to protest against military dictatorship, represents a challenge to Foucault. As Roberto Machado Remembered on his recent book “Impressões de Michel Foucault” (Michel Foucault’s Impreesions), just after his adehrace on the strike with students and his presence at ecumenical act conducted at Sao Paulo’s Cathedral, only one week after the death of journalist Vladmir Herzog in a famous Sao Paulo’s prison where politicians were interrogated, tortured and, sometimes, killed, an order of prison was released against Foucault, did not went ahead by the fear of bad repercussion worldwide.
Even didn’t knowing about all those datails, Benedito Nunes knew about infiltrated agents on our university, students that were indeed security officers from state. I think that he organized a guest list for foucault’s talk to avoid “infiltrated persons”. Similarly, combined with Foucault that he’ll did the conferences without translating and then only the debate would be translated. All this cares were taken and we should consider the prestige of Benedito Nunes the fact they were strictly adhered to (?). didn’t happen any interference on the organization of the conferences, who were entirely in his charge. Basically he wants to shield Foucault, as we still say in Brazil, he wants to save him at maximum from any political problem. He knew well the radicality of Foucault’s thought .
Seated on the rear of the small auditorium, just after had ask to the present people to sign their names in a list I followed without great interest the lectures of that already great philosopher. My knowledge in French didn’t aloud me to understand much of what he said. But, his figure, I had yet very clear memory: seated on the table, with crossing legs like “zen” masters, all in white, with his long sleeves shirt and turtleneck that we pretty know nowadays cause he appears with this same shirt in many photographies. I remember his paused voice, sometimes strident assuming an enthusiastic tone. When, in one of the nights, television crew just entered at the room to film him for some time, he stopped to speak and made many poses in front of the camera, smiling. At the last night, my college and monitor as me, ask me to ask an autograph at a Portuguese edition of Les mots et les choses that she owns. In the exit of the auditorium, I gave him the book which he wrote a “Amicalement, Michel Foucault”.
Everything looks well, but two happenings change the orders of things: at the last night, was offered to Foucault a dinner at the most fancy restaurant of town. My friend, the same that ask me Foucault’s autograph, had like duty record the lectures. She did on a personal recorder and let the tapes inside his car next to the restaurant. A thief steal the recorder and the tapes thinking, undoubtedly, that were audio cassette. Then, the register of Foucault’s lectures at my university was lost forever. Furthermore, on the day after Foucault’s interview, the fears not revealed by Benedito Nunes became reality: the feared SNI (Nacional System of Information) ask to the university the guest list of the lectures, the same list that I was in charge to pass to the present people. Benedito Nunes refused strictly to give it. He knew what means to peoples life, people that he himself had invited, if that list were to get in the hands of SNI. Once, I ask him about the list, he told me that he had destroyed it.
As said Freud, the trama is always “a posterori”. Only some years after, when I started to write my master degree dissertation about Foucault and Psychoanalysis and then discovered an other Foucault, so different from that one of Les mot et les choses, starting from the Brazilian publication of Microphysics of Power, in 1979, the stole of the tapes weighed like a shadow. When I did my first trip to Europe in 1988, I received from the hands of Roberto Machado a small package, which contained the tapes of the lectures of “La verité et les forms juridiques”. In Paris, I should made it came to the hands of the Dits et écrits editors, at that time, in the fase of interview and courses gathering around the world. In the low lights streets next to Gare du Nord, in the direction of the home of the person that I should give the so precious package, I walked fast-paced and tense. It Was December and it was a lot of cold the shop windows all ornamented to Christmas and i squeeze the package next to me. It could not be robbed. I confess that was with much relief when in 1994 I saw published in Dits et écrits, that conferences, only at this moment I feel my mission accomplished.
Foucault had spoken very well about Belem. In the “chronology” of Dits et écrits we can read that, in Belem, “il garda une forte nostalgie”. The pleasure that the visit to Belém in 1976 caused to him is referred by Roberto Machado on their book. When I met Daniel Defert in Paris at the first day of May of 2015, he told me the same thing and one of the most exciting moments of our conversation, were when I shown him the photos of Foucault in Belem.
I personaly met Benedito Nunes for the last time in December 2010, two and a half months before his death. We participated on a same event about photographie in a cultural institute of Belém. Our personal relation through more than thirty years was simplified because we lived next one each other. On that night I went to pick him up and leave him by car at his residence. Getting back just after this lecture, which I was mediator, I had spoke to him with much enthusiasm, that I was beginning to write a new book about Foucault, about cinism, from the course La courage de la verité. “it will be beautiful book – he said to me – and I want to read”. “you sir will write the preface” I answer him. We were almost getting to the door of his house. And then, the last words that I had with him, were, maybe no accident, about Foucault. Unfortunately, he cannot anymore read my book, Michel Foucault e a Verdade Cinica (Michel Foucault and the Cynic Truth, published in 2013, which I dedicated to his memory.
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I am Bruno P. Dutra, a Portuguese native speaker and an ENGLISH/SPANISH/FRENCH translator.
Since 2016, due to my academic background, I've been publishing translations in the Sociology, Anthropology and Philosophy fields.
Since 2019, when I started my Ph. D studies in Portugal, I am working with Translations, Website Localizations, Transcriptions, Subtitlings and Post-Editing as my main professional activity.
I am available 24h/7 and I hope to help your company as soon as possible.
********************************************************************* *Ph.D. (2019/2023), Philosophy - Nova University of Lisbon. (Doctorate, classroom course).
*M. A. Sc, (2017/2019), Philosophy - Federal University of Pelotas.
(“Masters degree”, classroom course, dissertation: Nietzsche and Positivism: From the critique of morals to theory of knowledge).
*B. Sc, (2007/2012), Sociology/Anthropology - Pontifical Catholic University of Rio Grande do Sul. PUC - (Bachelor’s degree/Graduation, classroom course, dissertation: Nietzsche and Sociology.).
PAPERS Translation – (2020). Por-BR -> Eng-US. Original title: Bourdieu and Nietzsche: Taste as Struggle, by Keijo Rahkonen. University of Helsinki. Publisher: Anthem Press. DOI: https://doi.org/10.7135/UPO9780857289278.007 pp 125-144. to
Bourdieu & Nietzsche: Gosto como Disputa, por Keijo Rahkonen.
For sale: https://www.amazon.com.br/gp/product/B08P3VQPFQ?pf_rd_r=MD95YW966HHKYZEGT9QV& pf_rd_p=72a7651a-a7d8-4551-b248-c61480b6ce6e
Translation – (2018). Por-BR -> Eng-US. Original title: “O SNI estava pedindo a lista dos frequentadores...” Michel Foucault em Belém, em Novembro de 1976, by Ernani Chaves. to
“SNI* was asking the for the goers list…” Michel Foucault in Belém on November’ 1976, por Ernani Chaves.
In: https://globalcenters.columbia.edu/events/workshopfoucaultandpoliticsresistance- brazil .
For sale: https://www.amazon.com.br/Foucalt-Politics-Resistance-Brazil-Notebooksebook/dp/B07VGK9WR3/ref=sr_1_1? mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3% 91&dchild=1&keywords=foucault+ernani+chaves&qid=1606910271&s=digital-text&sr=1-1
Translation – (2017). Eng-UK -> Por-BR. Original title: ‘An Old Carriage with New Horses’: Nietzsche’s Critique of Democracy. Hugo Drochon. History of European Ideas. Routledge. Taylor & Francis Group. ISSN: 0191-6599 (Print) 1873-541X (Online) Journal homepage. Published In: http://www.tandfonline.com/loi/rhei20 . to ‘Uma velha carruagem com cavalos novos: A crítica à Democracia de Nietzsche. Hugo Drochon. Faculdade de História, Universidade de Cambridge, Reino Unido. Revista Estudos Nietzsche, Espírito Santo, v. 8, n. 1, p. 26-48, jan./jun. 2017.
Published in: https://periodicos.ufes.br/estudosnietzsche/article/view/17599
1986 – 2007 – Brasília, Distrito Federal, Brazil. 2007 – 2017 – Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil. 2017 – 2019 – Pelotas, Rio Grande do Sul, Brazil 2019 – 2019 – Los Angeles, California, United States. 2019 – 2019 – Las Vegas, Nevada, United States. 2019 – 2019 – Lisbon, Portugal, Portugal. 2020 – 2021 – Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil.